As musas por trás da canção “Tigresa”, de Caetano Veloso

A canção “Tigresa”, de Caetano Veloso, sempre gerou controvérsias de quem seria a musa que inspirou a canção. A necessidade de se personificar a mulher “de unhas negras e íris cor de mel” gerou uma série de discussões, que se iniciaram com o lançamento da música, no álbum Bicho, de 1977.

Na verdade, Tigresa é um mosaico de várias mulheres, que Caetano contou, à época, e depois foi publicado na compilação “O mundo não é chato”

Gente” ainda não estava de todo pronta quando fiz, sem pensar, a melodia do que veio a se chamar “Tigresa”. Algumas pessoas estavam conversando aqui na sala de som da minha casa e eu não estava a fim de prestar atenção na conversa delas. Fiquei tocando violão e assoviando e cantarolando qualquer coisa. Fui dormir sem planos de voltar a pensar nela, uma vez que meu projeto era compor canções doces suingadas. Mas a música era linda mesmo e resolvi fazer uma letra. Mas não sabia o que dizer com palavras, uma coisa que ficasse dentro do clima que já era para nós essa melodia. Mas também não quis forçar muito a cabeça“.

Portanto, primeiro veio a música. A inspiração da letra veio depois. Conta Caetano:

Um dia estava com Moreno vendo um seriado de televisão no qual apareciam uns meninos indianos que andavam com um elefante e encontravam outro menino, que era selvagem e não sabia falar e reagia como um felino. Quando eles tentavam se aproximar do menino selvagem, um grande tigre vinha protegê-lo. O menino tinha sido criado por aquele tigre que, na verdade, era fêmeo. O fato é que pensei que tigre fêmeo diz-se tigresa, e aí estava a palavra.  Dessa palavra parti para inventar uma letra que mantivesse o clima da música. Imaginei logo uma mulher e queria algo assim como uma história. Essa mulher foi se nutrindo de imagens de mulheres que conheço e conheci, e essa história foi se nutrindo de histórias que vivo.

Imagino que a série seja Maya, inspirada num filme de 1966, e que foi transmitida pela NBC nos Estados Unidos, e no Brasil pelas Tv’s Record e Tupi na década de 70.     E assim Caetano prossegue:

Terminou pintando também um pouco de história, uma vez que o interesse que as pessoas da minha classe e da minha geração uma vez demonstraram pelo assunto política aparece datado. Mil pessoas me perguntaram quem é a “Tigresa”, ou para quem a música foi feita.

Pois bem. Depois da mamãe tigresa da televisão, a primeira imagem de mulher que veio à minha cabeça foi a de Zezé Mota, e isso está bem evidente nas unhas e na pele. Mas terminei descobrindo que os olhos cor de mel são da Sônia Braga, embora não deixem de ter um parentesco com os cabelos da menina Maribel. Mas Bethânia e Gal já estavam lá. E Norma Bengell, Clarice, Claudinha, Helena Ignêz, Maria Ester, Silvinha Hippy, Marina, muitas outras meninas que eram bebês em 1966, Suzana e Dedé. Por fim a “Tigresa” sou eu mesmo. É minha primeira canção parecida um pouco com Bob Dylan.

O fato é que a primeira pessoa a se “apropriar” da canção foi Sônia Braga. Protagonista da novela “Espelho Mágico”, cujo tema musical era a “Tigresa”, na voz de Gal Costa. No ano seguinte, Sônia Braga protagonizava a novela “Dancin’ Days”, interpretando uma ex-presidiária. Mais um ponto que ligava Sônia Braga à canção.

Zezé Motta e Caetano

Além disso, Sônia era atriz e trabalhou no espetáculo Hair. Rosane Queiroz conta um pouco desta história no seu livro “Musas e Músicas ”

“Roubei ‘Tigresa’ para mim”, admitiu Sônia Braga, em uma entrevista que fizemos em 2006, publicada na Marie Claire. “Comecei a encontrar Caetano na praia, não lembro bem a época, só sei que a gente acordou juntos pra assistir o casamento da Lady Di [1981]. Foi uma relação bonita, de amor mesmo. A gente fez uma viagem de trem inesquecível de São Paulo ao Rio, daí ele compôs ‘Trem das cores’ para mim (Teu cabelo preto/ Explícito objeto…). A ‘Tigresa’ ele começou pensando na Zezé Motta, logo depois a gente se conheceu”, diz ela.

Caetano e Sônia Braga

Tanto que Ivete Sangalo, em 2012, no especial que fez com Gil e caetano, perguntou se a música teria sido feita para Sônia Braga, ao que Caetano respondeu “Mais ou Menos”. “Nós mulheres sempre achamos que as músicas são feitas para nós”, brincou a cantora…. “‘Trem das cores’ eu fiz para Sônia, mas ‘Tigresa’ não, encerrou o compositor.

Zezé Mota, também na história contada por Rosane Queiroz, se apresenta:

“Só o fato de ter meu nome associado a uma música tão bonita do Caetano já é o máximo…

“A pele marrom e as unhas negras eu sei que são minhas. Eu usava esmalte preto, que comprava na Biba [boutique famosa em Ipanema, nos anos 1970]. Hoje a cor é comum, mas naquele tempo não. Eu fazia o estilo exótico, com os cabelos curtinhos e o batom também preto.

Mas não trabalhei no Hair nem namorei Caetano. O trecho que diz ‘com alguns homens foi feliz, com outros foi mulher’, vamos combinar, serve para todas nós, né? [risos] Mas quando ele fala de ‘uma mulher, uma beleza que me aconteceu’, evidentemente se refere a alguém com quem teve um caso afetivo. Notei que a letra não era só para mim.

Encontrei Sônia Braga em vários momentos. Gravamos juntas o filme Tieta, mas nunca falamos nesse assunto de a canção ser mais dela. Não importa que ‘Tigresa’ seja uma colagem. Na época, Caetano era casado com Dedé (Gadelha), acho que até ela entrou na história. O que importa é que estou no pacote.

Mais recentemente, Caetano fala mais uma vez sobre a canção e Zezé Motta, relatada por Cacau Hygino, na biografia de Zezé Motta :

A música Tigresa foi escrita na época da [discoteca] Dancin’ Days. Zezé tinha as unhas pintadas de preto. A figura física da Tigresa veio muito mesmo de Zezé. E ela sabe disso. Mas a canção não é sobre ela só. Tem muito Sônia e pensamentos sobre as mulheres daquele tempoFaz anos, me fizeram essa pergunta numa revista e eu disse que tinha Zezé e Sônia, mas também muitas outras mulheres. Finalmente, eu preferia fazer como Flaubert (que disse ‘Madame Bovary c’est moi’): a ‘Tigresa’ sou eu”, diz Caetano

Fontes:

Caetano Veloso, O mundo não é chato, Cia das letras, 2005

Rosane Queiroz, Musas e Músicas: A mulher por trás da canção, Tinta Negra, 2017

Cacau Hygino, Zezé Motta: Um canto de luta e resistência, Companhia Editora Nacional, 2018

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