Não prendam Nara Leão!

Dia 27 de maio de 1966 Carlos Drummond de Andrade publicou um poema contra um suposto desejo dos militares de que Nara Leão fosse presa depois de uma entrevista que ela deu na imprensa.

No dia 22 de maio de 1966, foi publicada uma entrevista da cantora, em que o título da matéria já falava por si. “Nara é de opinião: esse Exército não vale nada”. Não por coincidência, no mesmo dia, o mesmo jornal ostentava uma manchete do futuro presidente, o General Costa e Silva. “Costa e Silva: governarei com o povo”

Embora a manchete não correspondesse exatamente àquilo que Nara tivera dito na entrevista, ela já seria suficiente para causar estardalhaço: disse que os militares poderiam entender de canhões e metralhadoras, mas não de política; disse que o mundo seria melhor se não existisse exército; que numa guerra moderna, o Exército brasileiro não serviria para nada; e que um país desigual como o Brasil teria outras prioridades, como escolas e hospitais.

Segundo Tom Cardoso, na biografia que escreveu sobre Nara (Ninguém Pode com Nara Leão – ed. Planeta, 2021), o mudo teria caído sobre Nara. Os jornais teriam repercutido a notícia, e o pai da cantora, o advogado Jairo Leão, teria sido intimado a comparecer no Palácio Duque e Caxias, onde ficava o Ministério da Guerra. No entanto, ele teria dito a Mario andreazza, chefe de gabinete de Costa e Silva:

– Minha filha é maior de idade e livre para dizer o que pensa

Não foi convencido, portanto, a fazer Nara desmentir o que dissera ao Jornal.

No entanto, já circulava na imprensa boatos de que o governo pretendia enquadrar Nara leão na Lei de Segurança Nacional e que ela poderia ser presa. Havia pressão da linha mais dura do Exército no sentido de que a suposta afronta não ficasse impune.

Segundo a biografia de Nara escrita por Sérgio Cabral (Lazuli, 2000), o serviço secreto do Ministério da Guerra, temendo a repercussão da entrevista, sugeriu três alternativas a Costa e Silva, Ministro da guerra e futuro presidente do Brasil:

a) o próprio exército responder ao artigo, “focalizando a atuação do exército na conjuntura do país”

b) responder indiretamente, por meio de artigo em que se focalizasse a atuação do exército “através de articulista identificado com a revolução”

c)verificar os antecedentes de Nara Leão e difundir na imprensa.

Havia, no entanto, rumores de que setores mais rigorosos do exército recomendariam a prisão imediata de Nara Leão.

O Jornal do Brasil ,em editorial, afirmou que nara teria sido vítima “da extravagância de um repórter”

Ibrahim Sued, conhecido colunista da época, insinuou que Nara estaria sendo “joguete da esquerda festiva”, estaria fazendo declarações que seus “mentores não teriam coragem de fazer”. E ainda afirnou que ela “como talento não era lá grande coisa”.

Do outro lado, diversos artistas prestaram solidariedade a Nara, como Edu Lobo, Fernanda Montenegro, Mario Lago, Ferreira Goulart, Tonia Carrero, Flavio Rangel, João do Vale e Odete Lara. Foi feito um abaixo-assinado contra a prisão de Nara, com assinaturas de mais de 150 artistas.

Além disso, teve manifestações públicas favoráveis na imprensa de Rubem Braga, Millôr Fernandes, Stanislaw Ponte Preta, entre tantos outros.

Moacyr Werneck de Castro mandou um blilhete a Nara: “Você é uma menina de atitudes claras. Deus a conserve assim. Você tem uma visão geral das coisas e por isso sua aceitação pelo público não está na dependencia dos caprichos moda. O Brasil precisa de você, que não é boneca de microfone, mas pensa nos problemas da arte”

No entanto, o mais conhecido manifesto contra a prisão de Nara Leão veio de ninguém mais, ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade. O poeta publicou um poema no Correio da Manhã, no dia 27 de maio de 66:


  APELO
(excerto)

“Meu honrado marechal
dirigente da nação,
venho fazer-lhe um apelo:
não prenda Nara Leão (…)

A menina disse coisas
de causar estremeção?
Pois a voz de uma garota
abala a Revolução?

Narinha quis separar
o civil do capitão?
Em nossa ordem social
lançar desagregação?

Será que ela tem na fala,
mais do que charme, canhão?
Ou pensam que, pelo nome,
em vez de Nara, é leão? (…)

Que disse a mocinha, enfim,
De inspirado pelo Cão?
Que é pela paz e amor
e contra a destruição?

Deu seu palpite em política,
favorável à eleição
de um bom paisano – isso é crime,
acaso, de alta traição?

E depois, se não há preso
político, na ocasião,
por que fazer da menina
uma única exceção? (…)

Nara é pássaro, sabia?
E nem adianta prisão
para a voz que, pelos ares,
espalha sua canção.

Meu ilustre marechal
dirigente da nação,
não deixe, nem de brinquedo,
que prendam Nara Leão.”

Carlos Drummond de Andrade

Depois de tanta manifestação, o governo recuou. Mem de Sá, Ministro da Justiça, disse que não enquadraria Nara na Lei de Segurança Nacional, embora considerasse seus comentários “atrevidos” e o seus conceitos “injustos”

Nara não se fez de rogada Na biografia de Nara escrita por Sérgio Cabral, consta que Nara consultou Ferreira Goulart e recebeu desta a recomendação de não fazer novas declarações contra os militares. Disse que estava exausta e não tinha vocação para Joana D’arc. Disse que tudo aquilo valeu a pena pela inspiração a um de seus poetas preferidos.

4 comentários sobre “Não prendam Nara Leão!

  1. nao conhecia este site, agora estou muito feliz por ele existir. É uma satisfação ver a relevância da musica e das personalidades artísticas do cenário musical brasileiro sendo contemplados de forma fiel, detalhada e bem pensada. parabens!

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