“Ainda é cedo, amor….” Cartola canta para sua filha em “O mundo é um moinho”

Pungente: essa pode ser a definição que se pode dar à bela canção O mundo é um moinho, da autoria de Cartola. Reza a lenda que o compositor teria feito a canção para a sua filha, quando ele descobrira que ela se tornara prostituta.

Mas a verdade não é exatamente assim.

Primeiro, a pessoa homenageada, Creusa Cartola, fora adotada pelo compositor quando ela tinha 5 anos de idade, após a morte de sua mãe biológica. Creuza é filha biológica de Rosa do Espírito Santo e Agenor Francisco dos Santos. Estes eram amigos de Cartola e Deolinda (então esposa de Cartola), sendo esta última madrinha de batismo da menina. Quando Rosa, a mãe, faleceu em 1932, Creuza tinha apenas cinco anos, e Deolinda e Cartola, juntos há sete anos naquela época, ficaram com ela.

Segundo relato da filha mais velha de Creusa, Irinéa dos Santos, Cartola compôs essa música quando Creusa era adolescente, e com a curiosidade normal de uma jovem de 16 anos por namoros. Não há qualquer registro de que Creuza se tornara prostituta

Na verdade, Creusa tornou-se cantora.  Artista precoce, ela começou a cantar aos 14 anos, acompanhando Geraldo Pereira, outro grande compositor de Mangueira, em apresentações na Rádio Nacional, nas quais também cantava músicas de Cartola, que a levava e ensaiava., teve uma carreira discreta

Na época, pode-se imaginar que então fosse normal dizer quer alguém caiu na prostituição apenas por interessar-se por homens, e daí certamente deve ter surgido a lenda… Mas isto jamais fora dito por cartola em lugar algum.

Resultado de imagem para cartola e creusaCartola e Creusa 

A letra é realmente bonita, se inicia justamente com a referência a ser cedo… a personagem com quem o eu-lírico dialoga é jovem e inexperiente, não conhece nada da vida e anuncia sua partida, e ela é advertida de que segue um caminho sem rumo…

Na segunda estrofe, o eu-lírico tenta convencê-la (embora tenha consciência e até resignação de que não terá êxito) de que ao sair ela vai se perder, a vida vai se perder, sua própria identidade vai-se embora…

E, nesse momento, na terceira estrofe, vem a parte mais aguda, que compara o mundo a um moinho, que tritura sonhos e pulveriza ilusões… é uma imagem, um vaticínio de desesperança, como que a vida fosse sepultar as ilusões daquela que se despede, e que tem por trás o apelo implícito para que ela volte, ou melhor, para que ela não vá…

Repare-se, porém, que a letra fala em reduzir teus sonho, “tão mesquinho” e não mesquinhos. Isto muda completamente o sentido. O mundo é que é mesquinho, e não os sonhos…  

Por fim, ele alerta para as desilusões amorosas… “preste atenção querida”, a advertência de um pai que ama a filha, é como se a moça fosse cair na vida… e em vez de abrir-se ao amor, abre-se ao cinismo, e a busca, esta descoberta do suposto e dito falso “amor” seria um caminho que a personagem estaria cavando para a própria derrocada…

Mais que uma advertência, é um pedido desesperado para que ela permaneça… e a canção assim entrou para a história..

 

http://almanaquenilomoraes.blogspot.com/2017/04/duas-versoes-para-mesma-estrofe.html

http://dicionariompb.com.br/creusa/biografia

http://www.horadopovo.com.br/2013/12Dez/3210-06-12-2013/P8/pag8a.htm

Caymmi, o ventilador e as “coisas boas”… uma crônica de Caetano…

Caymmi é representante único da música brasileira, alguém que fazia canções, que, como dizia Arnaldo Antunes, não parecem ter sidos feitas por gente, parecem o canto das coisas em si. E por esta razão as canções de Caymmi são atemporais, parecem que existem desde sempre…

Minha primeira postagem no blog foi sobre Caymmi, e começa com um trecho de “Coqueiro de Itapuã”, falando do vento que faz cantiga nas folhas, no alto do coqueiral…

E aí, li uma crônica de Caetano, em que contava uma experiência com Caymmi. Vale a pena repeti-la aqui…

Cresci sabendo que o Brasil nasceu na Bahia, o samba nasceu na Bahia, Cristo nasceu na Bahia. Mitos que não têm sido apenas desmentidos mas cruelmente pisoteados. Uma coisa, porém, ninguém pode negar: Dorival Caymmi nasceu na Bahia. E isso é como redimir as três afirmações anteriores, que vão, num crescendo, do simples orgulho histórico ao total absurdo. João Valentão é brigão, pra dar bofetão não presta atenção e não pensa na vida. A todos João intimida. Os chefetes matadores, seguidores tristonhos e provincianos da onda de heróis bandidos dos morros cariocas do passado (e que insistem em querer dar mostras de que ainda têm e terão eternamente o mesmo poder de sempre), são personagens soteropolitanos de agora. Mas João tem seu momento na vida. É quando sinto que se prova que, se os chefetes cariocas estão em descompasso com o andar da sociedade, os seus emuladores baianos são como o eco retardado de um gemido sinistro. Não há sonho mais lindo do que sua terra, diz o canto que brilha em perene redenção do insalvável.

TRIBUNA DA INTERNET | Ninguém cantava o mar como Caymmi, porque o mar,  quando quebra na praia, é bonito, é bonito…

Caymmi nasceu. Algo houve, cem anos antes da morte de DC, que nos mantém capazes de esperar, crer, amar. A canção brasileira é uma entidade em que as pessoas que por acaso se encontraram nesta parte do extremo Ocidente em que se fala português reconhecem-se, quase se justificam. Dorival Caymmi é um centro dessa entidade. O centro. Um polo. Um ponto fora da circunferência. Ele e só ele pode ser tudo isso.

As peças que ficaram conhecidas como “canções praieiras”, cantadas pelo autor acompanhado de seu violão, são momentos altos na história da música: as ouvimos e sabemos logo que se trata de grande arte, de algo que enaltece a nossa humanidade. As gravações têm apenas o defeito de terem sido mixadas com menos volume no violão em relação à voz do que seria o ideal. Mesmo assim, não há quase nada à altura em nossa música, em nossa literatura, em nossas artes plásticas ou cênicas. 

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Caymmi teve uma casa de veraneio em Rio das Ostras. Stella, sua mulher de sempre (minha mãe dizia que ela era sua cantora favorita dentre todas as brasileiras que se apresentavam nos programas de rádio — e que Caymmi, casando-se com ela, tinha nos roubado esse tesouro; mas o fato é que Stella encontrou a felicidade em Dorival e, numa única faixa do disco que este fez, décadas mais tarde, com Tom Jobim, ela provou que nos dava mais do que toda uma carreira de estrela poderia), recebeu a Kombi da TV Globo em que eu cheguei com Alcione e a equipe que iria gravar um encontro entre Caymmi e nós.

Quando todos cumprimentávamos a dona da casa (que ironizava toda a situação com aquele calor de sinceridade apaixonante), Caymmi chegou, falou rapidamente com todos e me destacou do grupo para, segundo ele, me mostrar uma coisa muito importante que ele tinha feito. Eu o segui casa adentro, uma dessas casas brasileiras de beira de praia do final do século XX, sem nenhum encanto aparente. Chegamos ao cômodo onde estava aquilo para o que ele queria chamar minha atenção. Era uma sala neutra, com uma poltrona comum. Um ventilador estava no chão, ligado. Caymmi, pondo a mão no meu ombro, disse: “Olha o que eu fiz: botei o ventilador de frente para a poltrona. Eu me sento aqui e fico só pensando em coisas boas”. Era um koan baiano, uma lição do Buda-Nagô, como sintetizou Gil. Zen-yoruba.

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Quando minha querida Suzana de Moraes, filha de Vinicius, se casou com Robert Feinberg, Dedé, mãe de Moreno, então minha mulher, foi madrinha, Carlos Drummond de Andrade, padrinho. Isso me deu a oportunidade de conhecer Drummond, que falou de música e política, chegando ao alvo: “O melhor é Caymmi”. Feliz, contei a história da poltrona e sobre o “só pensando em coisas boas”. Drummond, grave e sorrindo: “E nós, hein, Caetano, que só pensamos em coisas ruins…”.

Caymmi sabia de tudo. João Gilberto me disse que eu olhasse sempre para ele, que ele era o gênio da raça, uma lição permanente. Não por acaso ele é folclore e sofisticação urbana, “O mar” e “Você não sabe amar”, primitivo e impressionista, ligado a todos e sozinho. Todas as coisas ruins que se apresentam de modo tão estridente ao nosso redor agora mesmo estão sob o jugo de sua calma, de sua teimosa paciência, de sua doçura, de sua luminosa inspiração. Stella não nos deu apenas a “Canção da noiva”, Nana, Dori e Danilo: ela nos deu a vida de Caymmi. As coisas ruins vão ter de se virar para enfrentá-lo.

Fonte: http://www.caetanoveloso.com.br/blog_post.php?post_id=1737

terça 02 dezembro 2014 06:25 , em Clássicos da Música Brasileira

Allah-la-ô. A história da marchinha de 1941 que é (muito) tocada até hoje em bailes de carnaval…

Allah-lá-ô, um dos sucessos eternos de marchinhas de carnaval, há mais de 75 anos embala bailes de carnaval pelo Brasil, tem uma receita curiosa, citando Allah, calor, Egito, deserto e “água pra Ioiô e pra Iaiá”.
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Este sucesso improvável, com mais de 50 regravações,  é contado por Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, no seu primeiro volume de “A canção no tempo (1901-1957), p. 195-6:
A história de “Alá-lá-ô” começou no carnaval de 1940, quando um bloco do bairro da Gávea cantou nas ruas a marcha “Caravana”, de autoria de seu patrono Haroldo Lobo, que tinha apenas estes versos: “Chegou, chegou a nossa caravana / viemos do deserto / sem pão e sem banana pra comer / o sol estava de amargar / queimava a nossa cara / fazia a gente suar”.
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Meses depois, preparando o repertório para o carnaval de 41, Haroldo pediu a Antônio Nássara para completar a composição. Achando a ideia (a caravana, o deserto, o calor…) bem melhor do que os versos, ele logo faria esta segunda parte: “Viemos do Egito / e muitas vezes nós tivemos que rezar / Alá, Alá, Alá, meu bom Alá / mande água pra Ioiô / mande água pra Iaiá / Alá, meu bom Alá”.
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Conta Nássara – em depoimento realizado para o Arquivo da Cidade do Rio de Janeiro, em 1983 – que, quando Haroldo tomou conhecimento dos versos, com a palavra “Alá” repetida várias vezes, entusiasmou-se: “Mas que palavra você me arranjou, rapaz!”. E ali, na hora, criou o refrão “Alá-lá-ô, ô-ô-ô ô-ô-ô / mas que calor, ô-ô-ô ô-ô-ô”, ponto alto da composição.
Ainda no mesmo depoimento, Nássara ressalta a atuação de Pixinguinha, como arranjador, na gravação inicial: “Era a última sessão de gravação para o carnaval de 41. Se não fosse gravado naquela sessão, só sairia no ano seguinte. Então, corri à casa de Pixinguinha, na rua do Chichorro, no Catumbi. Era um sábado de verão e o maestro, cheio de serviço, estava trabalhando sem camisa, encharcado de suor. Mesmo assim, ele teve a boa vontade de dar prioridade à minha música, começando a fazer imediatamente o arranjo, que ficou uma beleza, com uns três ou quatro enxertos de sua autoria”.

Beduínos - povos nômades do deserto - InfoEscola

Além da criativa introdução, Pixinguinha soube vestir “Allah-lá-ô” com uma orquestração exemplar, em que mais uma vez utilizou o recurso da modulação na sessão instrumental, que começa e termina com duas brilhantes passagens, primeiro subindo a lá maior e depois retornando a sol maior, tonalidade do cantor. Em 1980, num artigo em Manchete, David Nasser declarou-se autor da letra de “Caravana”, embrião de “Allah-la-ô”.

Dia 2 de fevereiro, dia de festa no mar…

 O dia 2 de fevereiro é o máximo dia da festa do Rio Vermelho em Salvador. É o dia em que se homenageia Iemanjá,

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Consta que a tradição teve início no ano de 1923, quando um grupo de 25 pescadores ofereceram presentes para a mãe das águas. Nesta época os peixes estavam escassos no mar.

Antes, a homenagem era feita no Dique do Tororó. Inicialmente a festa era feita junto com a Igreja Católica, no sincronismo semelhante ao da lavagem do Bonfim.

E a grande festa do dia dois de fevereiro é inspiradora de inúmeras canções, entre as quais a conhecida “Dois de fevereiro” de Dorival Caymmi, gravada pela primeira vez em 1957..

No seu livro “Cancioneiro da Bahia” , Caymmi afirma:

Não pode existir festa popular mais bela que a de Iemanjá, realizada a 2 de fevereiro no Rio Vermelho, inspiradora dessa canção. O tempo passa e a cada ano a festa da senhora do Mar torna-se maior, congregando gente vinda de todo Brasil”

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A canção, no estilo de Caymmi, faz referência à famosa superstição sobre os presentes dados a Iemanjá que, quando aceitos pela Rainha do Mar, são recolhidos por ela. Quando Iemanjá não gosta do presente, ela os recusa devolvendo-os para a areia da praia.

Caymmi conta que o presente mandado “de cravos e rosas, vingou”, o que significa que Iemanjá aceitou os presentes e não devolveu para a areia.

Todo ano há um presente principal,  preparado para ser oferecido à Iemanjá. Sob ele vão as oferendas preparadas pela ialorixá responsável pelo comando da festa. Estas oferendas, cujos preparativos são cercados de rituais e fundamentos sagrados e secretos, demoram sete dias para ficar prontas.

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Tradicionalmente os presentes oferecidos a Iemanjá no dia 2 de fevereiro são: flores, perfumes, espelhos, enfeites diversos como anéis, colares, fitas, brincos, pentes, bijuterias, jóias, relógios, maquiagens e ainda bonecas, velas, bebidas e comidas tais como manjar, fava cozida com camarão, cebola e azeite doce, champanhe dentre outros

Curiosidade é que mais recentemente, há recomendações para que apenas presentes biodegradáveis sejam oferendados a Iemanjá,  para que as homenagens não causem poluição no mar

Fontes: http://www.culturatododia.salvador.ba.gov.br/festa-modelo.php?festa=8

Dorival Caymmi. Cancioneiro da Bahia. São paulo, Círculo do Livro

Com que roupa – O primeiro sucesso Noel Rosa e a história por trás da música

Talvez “Com que Roupa” seja a mais conhecida música de Noel Rosa. Pelo menos está entre as 5 mais conhecidas, com certeza. Foi o primeiro sucesso de sua carreira, gravada em 1930, quando ele tinha apenas 20 anos. Segundo André Diniz e Juliana Lins, que escreveram um pequeno ensaio sobre Noel (Noel Rosa, Ed. Moderna, 2008) a expressão “Com que roupa” era uma gíria comum no Rio de Janeiro, e tinha um significado parecido com “Com que dinheiro?”.

Certamente a crise mundial de 1929 ajudou a inspiração da música, mas é certo que muitas lendas ainda pairam sobre o surgimento da música. André Diniz e Juliana Lins contam a história mais divertida, não necessariamente a verdadeira:

“Certo dia, ou melhor, certa noite, Noel tinha decidido agradar sua mãe ficando em casa e indo dormir cedo, coisa bem rara na sua vida. Quando o relógio da sala bateu as nove badaladas, a campainha tocou. Eram alguns amigos de Noel convidando-o para sair. Dona Martha pediu que esperassem e, com um sorriso maroto, foi ao quarto avisar o filho. Noel pulou da cama e começou a revirar o armário em busca de uma roupa ajeitadinha. Que ficar em casa que nada, ele iria era pra farra! Vira daqui, mexe dali e nada. Nas gavetas, só pijamas, cuecas e sapatos. os amigos começaram a ficar impacientes com a demora e começaram a chamar Noel. Este, já tenso, não sabia o que fazer e pediu ajuda à mãe.. Dona Martha deu de ombros e, com ar de satisfação,  disse que talvez tivesse sido algum engano da lavadeira.

(…) O rapaz, que já antecipara o prazeres da noitada, entrou em desespero: ‘ Eu quero ir, pessoal, mas com que roupa, com que roupa eu vou?’ E não teve jeito. Os amigos foram embora, Noel sossegou o facho e Dona Martha finalmente soltou um sorriso de satisfação. Não é que tinha dado certo? esconder a roupa do filho era a melhor coisa para fazê-lo ficar em casa e não piorar ainda mais da febre e do resfriado. Os amigos foram, ficou a inspiração”.

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Reza a lenda, também, que “Com que roupa”, na sua versão original, seria muito parecido com o hino Nacional.

Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello ponderam, sobre a canção:

Com que Roupa” foi o primeiro sucesso de Noel Rosa. Um sucesso enorme que inspirou anúncios comerciais, paródias, charges, crônicas , entrevistas e até ajudou a fixar a expressão “com que roupa” como dito popular.

Um verdadeiro achado, essa expressão se repete ao final de cada estrofe da composição, sendo uma das razões principais de seu êxito. Tudo indica, porém, que Noel não percebeu de início o potencial de “Com que Roupa”, pois, além de mantê-la inédita por um ano, vendeu-lhes os direitos pela quantia de 180 mil-réis, irrisória já na época.

Segundo seus biógrafos, João Máximo e Carlos Didier, Noel confessou certa vez a um tio que “Com que Roupa” retratava de forma metafórica o Brasil – “um Brasil de tanga, pobre e maltrapilho”. Daí, talvez, a semelhança de seus compassos iniciais com os do Hino nacional Brasileiro (problema corrigido pelo músico Homero Dornelas ao passar a melodia para a pauta.

 

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Consta que Noel Rosa teria falado para o violoncelista Homero Dornelas:

– Homero, você sabe, eu não conheço música e queria que você escrevesse um samba que eu fiz hoje.

O músico sentou ao piano e pediu que o rapaz cantasse o samba.

– Agora vou minha conduta

– Eu vou pra luta, pois eu quero me aprumar

– Vou tratar você com força bruta…

Homero interrompeu:

– Repete a primeira frase

– Agora vou mudar minha conduta…

– Espera aí Noel, este samba não pode ser publicado!

– Ora essa, por quê?

– Porque isso não é samba, é o Hino Nacional!

E tocou no piano os primeiros compassos do Hino, surpreendendo o sambista: – ouviram do Ipiranga as margens plácidas…

– Ué, mas é a mesma melodia, e agora?

– É simples, basta uma ligeira modificação no encadeamento melódico e o samba já fica outro.

(Diálogo reproduzido por Almirante)

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A letra conduz à ambivalência, em que um malandro deseja mudar sua conduta, mas não deixa de se reconhecer como malandro, trapaceiro. Como a canção é de 1930, e gravada em 1931, pode-se ver, no aspecto, reflexos da Crise de 1929 na economia brasileira, em que a vida não está sopa nem mesmo para um sujeito como ele.

Há, na visão de Máximo e Didier, um retrato de um Brasil maltrapilho, pobre, e que teria sido mesmo feito inicialmente como uma paródia do hino Nacional.

A ambiguidade é trazida ironicamente,  pois “Mesmo eu sendo um cabra trapaceiro/
Não consigo ter nem pra gastar”. Diante da absoluta falta de dinheiro no mercado, o malandro não consegue subsistir.

A Música fez muito sucesso, embora Noel tivesse lucrado muito pouco com ela. Um belo retrato bem humorado de uma época de crise….

Fontes: Diniz, André; Lins,  Juliana. Noel Rosa, Ed. Moderna, 2008

http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra69190/com-que-roupa

Curiosidades Musicais: Noel Rosa

Mello, Zuza Homem; Severiano, Jairo. A canção no tempo, vol. 1 Ed. 34

Máximo, João, Didier, Carlos. Noel Rosa: uma biografia. UNb, 1990

segunda 31 janeiro 2011 20:24 , em Samba

“Boas Festas”: O Natal triste de Assis Valente. – “Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel…”

Qual a composição brasileira de Natal mais conhecida?

Eu não teria dúvidas em assinalar “Boas Festas”, de Assis Valente, Quem é que não conhece os famosos versos “Anoiteceu/ o sino gemeu/ e a gente ficou/feliz a rezar”.

Por trás de uma melodia alegre se revela uma letra, composta em 1932, que alerta:  se todo mundo é filho de Deus, nem todo mundo é filho de Papai Noel.

Assis Valente passou sozinho e triste, em Niterói, o carnaval de 1932. Em seu quarto havia a gravura de uma menina de pé, entristecida, os sapatinhos sobre a cama, esperando o presente. Inspirou-se nela para compor “Boas Festas”.

A primeira parte da letra trata da felicidade associada ao natal, a noite, os sinos tocando, e a expectativa do presente de Papai Noel

Anoiteceu
O sino gemeu
E a gente ficou
Feliz a rezar
Papai Noel
Vê se você
Tem a felicidade
Pra você me dar

Pequena biografia sobre Assis Valente , escritor de Boas Festas e Cai,Cai  Balão – Folhão News

A segunda parte da letra merece leitura atenta:

Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel
Bem assim felicidade
Eu pensei que fosse uma
Brincadeira de papel

Já faz tempo que eu pedi
Mas o meu Papai Noel não vem!
Com certeza já morreu
Ou então felicidade
É brinquedo que não tem!

“Cobertos por uma melodia alegre que se assemelha por vezes às marchinhas, por vezes aos sambas de carnaval, os versos, fortes, escondem que nem todo mundo é filho de Papai Noel. Quem não pode recebê-lo, e no Brasil são muitos, aprende muito cedo que o Bom Velhinho só o é para alguns”.

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Numa entrevista em 1936, Assis Valente confidenciou:

 “Eu morava em Niterói, e passei aquele Natal sozinho. Estava longe dos meus e de todos em uma terra estranha. Era uma criatura esquecida dos demais no mundo alegre do Natal dos outros. Havia em meu quarto isolado, uma estampa simples de uma menina esperando seu presente, com seus sapatinhos sobre a cama. Eu me senti nela. Rezei e pedi. Fiz então “Boas festas”. Era uma forma de dizer aos outros o que eu sentia. Foi bom, porque de minha infelicidade tirei esta marchinha que fez a felicidade de muita gente. É minha alegria de todos os natais. Esta é a minha melhor composição”.

Mas a crítica ao consumismo do Natal é o aspecto mais fácil de perceber. O Papai Noel de “Boas Festas” representa a felicidade que não vem. É a felicidade dos presentes, mas se pode ver na última estrofe, nas duas referências a essa palavra, a alma ferida de Assis, sem felicidade — o presente, que ele não tem nem nunca teve, pedido em vão a Papai Noel.

O sucesso de uma melodia alegre, em tom maior, com uma letra triste….

http://maestrorochasousa.blogspot.com.br/2010/12/assis-valente-e-o-natal-dos-excluidos.html

http://qualdelas.com.br/boas-festas/

Taí. O primeiro sucesso de Carmen Miranda

 

Pensar que o autor do primeiro grande sucesso de Carmen Miranda foi Joubert de Carvalho já parece imporovável. Joubert não era compositor de marchinhas carnavalescas, tanto que a sua segunda música mais conhecida, é “Maringá”, música que, inclusive, deu origem à cidade paranaense de mesmo nome.

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A composição mais conhecida de Joubert, no entanto, ficou conhecida não pelo seu título original “Pra você gostar de mim”, mas como o simples e indefectífel “Taí”, de 1930. Ainda hoje, mais de 80 anos após a primeira gravação, se alguém lançar a primeira palavra da canção, “Taí“, vem imediatamente “eu fiz tudo pra você gostar de mim/ai meu deus não faz assim comigo não/você tem, você tem que me dar seu coração

E Taí foi feito sob encomenda para Carmen Miranda. Segundo relata Ruy Castro, na biografia que escreveu sobre a cantora(Cia das Letras, 2005), Joubert passava pela rua quando o Sr. Abreu, gerente da loja “A Melodia”, o chamara com o intuito de fazê-lo ouvir um disco que acabara de sair. A canção era “Triste Jandaia”, da então desconhecida Carmen Miranda. Depois de tocar o disco várias vezes, não é que a própria Carmen, em pessoa, aparece na loja? Quando Abreu exclama: “Taí a nova cantora!”.

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Apresentados, Joubert falou de seu interesse em compor algo para Carmen, que prontamente lhe deu o endereço.

Joubert saiu da loja com uma palavra – “Taí” – e uma melodia na cabeça. Menos de 24 horas depois, com a partitura debaixo do braço, tocou a campainha de Carmen na travessa do comércio.

Nas palavras do próprio Joubert, no vídeo que acompanha esta postagem:

 

Eu passava pela Rua do ouvidor ali tinha uma casa de música e melodias e o gerente da casa chamou-me e disse Joubert venha ouvir uma cantora nova aqui; ele botou então um disco da Carmen, eu não sabia quem era, eu notei que havia presença no disco, e eu disse:

– Olha, Abreu eu gostaria de fazer uma música para essa cantora, ela interpreta miuito bem.

– Ué, isso é fácil!

– Onde é que ela mora?

– Ela costuma vir aqui de vez em quando, mas eu falo ela deixa o endereço.

De repente ele (Abreu) disse assim:

– Taí, ó, ela tai chegando.

Eu não sei, aquele tai ficou na minha cabeça e no dia seguinte eu levava para ela a música…  

Imagem relacionadaCarmen Miranda

 

Relata Ruy Castro, no seu livro, que Carmen a aprendeu a música prontamente, e, quando Joubert tentou orientar sua interpretação, ela disse, com um brilho no olhar:

“Não precisa me ensinar, não, que na hora da bossa, eu entro com a boçalidade.”

E, captando um certo choque no rosto do educado Joubert, logo se corrigiu:

“Desculpe, mas eu sou assim mesmo, meio desabrida!”

Tudo isso ocorreu no começo de 1930, e a música Taí tornou-se não apenas um grande sucesso daquele ano, mas também do carnaval seguinte. Foi a música que tornou Carmen Miranda conhecida nacionalmente. O resto é história.

Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim
Oh! meu bem, não faz assim comigo não!
Você tem, você tem que me dar seu coração!

Meu amor, não posso esquecer
Se dá alegria faz também sofrer
A minha vida foi sempre assim
Só chorando as mágoas que não têm fim

Essa história de gostar de alguém
já é mania que as pessoas têm
Se me ajudasse Nosso Senhor
eu não pensaria mais no amor

sábado 02 junho 2012 13:31 , em Clássicos da Música Brasileira

Da cor do pecado… para uma mulher chamada Felicidade

Esse corpo moreno cheiroso e gostoso que você tem…”

Com esses versos, Bororó compôs uma das músicas sensuais de sua época. Da cor do pecado revela, em cada verso, o desejo que o eu-lírico sente pelo corpo moreno, delgado, depois passando pelo beijo, “molhado, escandalizado”, e depois a voz, que responde “umas coisa com graça”,   e depois o cheiro de mato, saudade tristeza, para enfim voltar ao corpo moreno.

É uma música sinestésica, pois vai descrevendo as sensações do eu-lírico ao chegar perto da dona desse corpo, do beijo, do cheiro, da voz, tudo isso presente no corpo moreno.  “Da cor do pecado” é um grande samba, talvez o melhor que se tem notícia que tenha sido composto por Bororó (Alberto de Castro Simões da Silva), gravado por Silvio Caldas, mas também por João Gilberto, Elis Regina, Nara Leão, Ney Matogrosso, entre outros.

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 Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello contam um pouco da musa desta canção, gravada em 1939:

Brejeiro, malicioso, possui uma das letras mais sensuais de nossa música popular: “Este corpo moreno / cheiroso, gostoso/ que você tem / é um corpo delgado / da cor do pecado / que faz tão bem…”.

Segundo o autor, “a musa desses versos chamava-se Felicidade, uma mulher de vida pregressa pouco recomendável”, que trabalhava em frente ao Tribunal de Justiça e lhe foi apresentada por Jaime Távora, oficial de gabinete do ministro José Américo. Iniciou-se assim um romance de vários anos em que Bororó foi responsável pela mudança de vida da moça. Mais tarde ela se casaria com um médico, tendo morrido ainda jovem em consequência de uma gripe mal curada.

De melodia e harmonia elaboradas, acima da média dos sambas da época, “Da cor do pecado” tem seu aspecto mais interessante nas modulações da primeira para a segunda parte e na volta desta para a primeira. Ainda quanto à melodia, tal como se repetiria em “Curare”, a frase final – “eu não sei bem porquê / só sinto na vida o que vem de você” – é um primor de preparação para o acorde de dominante que conduz ao tom da primeira parte.

Fontes: Instituto Moreira Salles – Acervo Musical; A Canção no Tempo – Vol. 1 – Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello – Editora 34.

 

 

 

os “velsos” de Ary Barroso.

Ary Barroso é um dos personagens míticos da música brasileira.  Locutor esportivo, apaixonado pelo flamengo, ele tinha um programa de calouros na Rádio Tupi, em que ele inicialmente entrevistava o candidato. Em seguida, fazia algumas brincadeiras, piadas, sendo célebre a apresentação de Elza Soares, lançada por Ari no seu programa.

Quando o intérprete cantava e desafinava, soava um gongo que desclassificava o calouro. Era comum que alguns, envergonhados, saíssem chorando do auditório.

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O humorista José Vasconcelos, no show no qual se consagrou (“Eu sou o espetáculo”) fazia uma imitação de Ary às voltas com um calouro, não esclarecendo se é fato, mito ou piada.

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No auditório da Rádio Mayrink Veiga, no Rio, Ary apresentava o programa “Calouros em Desfile”, que, segundo ele, procurava revelar valores para a música nacional.

Conta o episódio que num certo dia, ele recebeu um calouro que se intitulava José Maria Chiado, torcedor do Fluminense (Ary Barroso era Flamengo).

“Eu nasci no Estado do Rio, não é seu Ary? Quem nasce no Rio não é Fluminense? Campeão e tal.”

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Já aborrecido, Ary mudou de assunto e perguntou o que o seu Chiado ia cantar.

“Eu vou cantar um sambinha”, disse o calouro.

Barroso reclamou de novo: “? É o tal negócio, vai cantar música brasileira é sambinha. Se ele viesse aqui cantar um mambo, ele diria vou cantar um mambo, não era mambinho não, era mambo no duro. Mas vai cantar música brasileira é sambinha, na base do deboche”.

E indagou: “Muito bem seu Chiado, qual é o sambinha que o senhor vai cantar?”

E a resposta: “Aquarela do Brasil”. (Composição de Ary Barroso)

Nova bronca do Ary que, afinal, mandou o Chiado cantar.

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E ele: “Brasil, meu Brasil brasileiro…, vou cantar-te nos meus velsos“…

Foi o suficiente. Soou o gongo e Ary Barroso detonou: “Pode parar, seu Chiado. O senhor pode cantar nos seus velsos, nos meus verrrrsos o senhor não vai cantar, não. Vá aprender português, seu Chiado. Sambinha é o diabo que o carregue!

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O cordão dos puxa-saco

 

Em 1945, fazia sucesso no Brasil uma marchinha de carnaval, de autoria de Roberto Martins e Erastótenes Frazão e gravada pelo conjunto “Anjos do Inferno”. A música se chamava “O cordão dos puxa-saco”. No início da letra, chegam a mencionar uma música de 1909, chamada “No bico da chaleira”, também em homenagem ao tema “puxa-saquismo”.

 

Vamos voltar no tempo e analisar esta crônica que parece eterna dos costumes brasileiros. O hábito de bajular os poderosos já era uma realidade no Brasil. Segundo o sítio digital recanto das letras, o general José Gomes Pinheiro Machado, senador pelo Rio Grande do Sul, presidente do Partido Republicano Conservador, era um homem forte do Legislativo brasileiro e por 20 anos, entre 1895 e 1915, exercendo grande influência sobretudo no governo de Afonso Pena (1906-1909), Nilo Peçanha (1909-1910) e Hermes da Fonseca (1910-1914).

Consta que o senador mantinha no seu gabinete  uma pequena chaleira com água quente para alimentar sua bomba do chimarrão. Quando políticos iam visitá-lo, disputavam o privilégio de segurar a chaleira para o chimarrão que o caudilho tomava, poupando ao senador o trabalho de preparar ou servir sua bebida preferida.

Na ânsia de serem os primeiros, seguravam a chaleira por onde melhor calhasse: pelo cabo, pelo bojo e até pelo bico – amiúde queimavam os dedos. Tudo para cair nos favores do senador.

O hábito acabou gerando o verbo chaleirar, praticado pelo chaleirador, o adulador, puxa-saco, etc. Isto dito da moda deu ensejo ao surgimento de uma canção carnavalesca da autoria de um famoso mestre de bandas que se ocultava sob o pseudônimo de Juca Storoni e foi o maior sucesso do Carnaval de 1909.

Senador José Gomes Pinheiro Machado

Iaiá me deixe subir esta ladeira,
Que eu sou do grupo do pega na chaleira,
Iaiá me deixe subir esta ladeira,
Que eu sou do grupo do pega na chaleira.

Na casa do Seu Tomaz/Quem grita é que manda mais

Que vem de lá,
Bela Iaiá,
Ó abre alas,
Que eu quero passar,
Sou Democrata,
Águia de Prata,
Vem cá mulata,
Que me faz chorar…

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Já em 1945,  depois do fim da ditadura e do Estado Novo, houve uma maior abertura em relação às letras de músicas, controladas e censuradas pelo então departamento de censura da época, o DIP.

O Cordão dos Puxa-saco, então, fazendo expressa referência à canção de 1909, tem como mote a crítica àqueles que bajulam os homens políticos e públicos, ou seja, os famosos puxa-sacos.

“Vossa Excelência / Vossa Eminência /Quanta referência nos cordões eleitorais!”.

E fica bem clara a hipocrisia quando se diz: “Mas se o “Doutor” cai do galho e vai pro chão/ A turma logo evolui de opinião”, mostrando que os bajuladores mudam logo de opinião a cada pleito eleitoral.

Na letra, conta-se e critica-se as homenagens e as circunstâncias, o apego ao poder e não ás pessoas, e o caráter volátil dos “puxa-saco” que evoluem de opinião sempre que há uma mudança do poder. Continua … muito atual…Segue a letra.

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Iaiá me deixa subir essa ladeira

Que eu sou do bloco

Mas não pego na chaleira

Lá vem

O cordão dos puxa-saco

Dando vivas aos seus maiorais

Quem está na frente

É passado pra trás

E o cordão dos puxa-saco

Cada vez aumenta mais

Vossa Excelência

Vossa Eminência

Quanta reverência

Nos cordões eleitorais

Mas se o “doutor”

Cai do galho e vai ao chão

A turma toda evolui de opinião

E o cordão dos puxa-saco

Cada vez aumenta mais

 

Fontes: http://br.oocities.com/musicaschiado/Nobicodachaleira.htm;

Dicionário Houaiss Ilustrado da Música Popular Brasileira. Ed. Paracatu, 2006.

http://www.recantodasletras.com.br/gramatica/4575532

terça 06 abril 2010 22:02 , em Clássicos da Música Brasileira