Estamos no fim do ano de 1971. Depois de quase 3 anos de exílio em Londres, Gilberto Gil e Caetano Veloso retornam ao Brasil, e retornam fazendo barulho.
Gil e Caetano em Londres
No começo de 1972, realizou-se, em Santo Amaro, a festa da Nossa Senhora da Purificação, como acontece tradicionalmente até hoje. Gilberto Gil estava lá, com Caetano, e o contraste entre a vida londrina e aquela festa popular inspirou Gilberto Gil a escrever Back in Bahia, a sua canção de retorno do exílio.
Gil relata a inspiração no seu livro “Todas as Letras” (Rennó, 1996):

Era o primeiro verão na Bahia depois que eu tinha voltado de Londres, e eu fui à festa de Nossa Senhora da Conceição em Santo Amaro da Purificação. Eu estava na casa onde Canô, mãe de Caetano, estava dando a festa; vendo as pessoas queridas e a alegria que amava delas, da lembrança da saudade que eu sentia dessas e outras coisas em Londres veio o impulso para escrever a canção – que eu comecei ali, letra e música juntas, de cabeça, e complementei no dia seguinte, já na casa de Sandra, na Graça, em Salvador.
A canção parece uma antítese musical de Aquele Abraço, samba-despedida que relata as coisas bonitas do Rio de Janeiro enquanto ele está indo para o exílio.
Antítese, pois enquanto Aquele Abraço é um samba (“dedicado a Dorival Caymmi, João Gilberto e Caetano Veloso”), musicalmente Back in Bahia é uma fusão de rock com repente, do mundo londrino com as raízes bem nordestinas que caracterizava sua canção.
Em Back in Bahia Gil relata os contrastes entre a vida de Londres e a saudade da Bahia, e a falta de cor (as cores da Bahia são muito mais vivas e vívidas do que as de Londres), de calor, de sol, de sal, do verde do mar que lembrava e distinguia o verde dos gramados londrinos, mas todo esse tempo visto como necessário para valorizar tudo aquilo que encontrou na volta.
Carlos, Calado, no livro Tropicália – a História de uma revolução musical (Ed.34, 1997, p. 289), relata uma entrevista de Gil ao Jornal do Brasil, quando do seu retorno:
“Vi tudo, vivi tudo, o sonho acabou, os anos 60 passaram, a música levou tudo às últimas consequências. Bem, então agora eu vou ver o que é que sobrou, o que é que eu sou, o que é que eu posso (…) Encontrei as raízes? Sim. E eu diria que estou mais próximo. Sou muito mais nordestino, sou muito popularsou bem pop, sou cantor de feira, sou cantador. A distância do Brasil me ajudou a chegar a isso. A distância ampliou o quadro e eu pude ver melhor. Eu pude entender mais profundamente”

Assim, diferentemente da exaltação de Aquele Abraço, Back in Bahia é um relato em primeira pessoa, quase uma confissão, sem as sutilezas costumeiras das letras de Gil. Não por acaso, a canção é construída em apenas 3 acordes, relativamente simples. Gil retoma a explicação em Todas as Letras:
“Back in Bahia” se baseia em motivos musicais muito íntimos, nordestinos – improviso, embolada, galope, martelo –, e em modos cordélicos, com rimas rítmicas [e também internas], típicas do versejar nordestino, e versos simétricos [ quase todos de dezesseis sílabas]: entre eles, o ‘de vida mais vivida dividida pra lá e pra cá’, de que eu mais gosto: poesia pura, concreta, como o ‘fazer o canto, cantar o (cântaro) cantar’, em ‘Palco’.
A letra, gravada no disco Expresso 2222:

Lá em Londres, vez em quando me sentia longe daqui
Vez em quando, quando me sentia longe, dava por mim
Puxando o cabelo nervoso, querendo ouvir Celly Campelo pra não cair
Naquela fossa em que vi um camarada
Meu de Portobello cair
Naquela falta de juízo que eu não
Tinha nem uma razão pra curtir
Naquela ausência de calor, de cor, de sal
De sol, de coração pra sentir
Tanta saudade preservada num velho baú de prata dentro de mim
Digo num baú de prata porque prata é a luz do luar
Do luar que tanta falta me fazia junto do mar
Mar da Bahia cujo verde vez em quando me fazia bem relembrar
Tão diferente do verde também tão lindo dos gramados campos de lá
Ilha do norte onde não sei se por sorte ou por castigo dei de parar
Por algum tempo que afinal passou depressa, como tudo tem de passar
Hoje eu me sinto como se ter ido fosse necessário para voltar
Tanto mais vivo de vida mais vivida, dividida pra lá e pra cá
Seba, acabei de ler uma matéria na Folha sobre a prisão de Caetano e Gil, que completa 50 anos hoje (dia 27/12).
Há uma afirmação na matéria, que eu não conhecia; fui procurar a letra no bom google e topei com seu site (que eu adoro).
A matéria diz que: “Após o fim do exílio, em 1972, Gil também versou memórias na canção ‘Back in Bahia’, do álbum ‘Expresso 2222’, em que falava sobre evitar aquela fossa ‘em que vi um camarada de Portobello cair’. Era Caetano, que habitou rua de mesmo nome em Londres e a versou na música ‘Nine out of Ten’: ‘Walk down Portobello road to the sound of reggae/ I’m alive’.
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