Um povo infeliz, bombardeado pela felicidade

Em junho de 1968, foi lançado, com alvoroço, o álbum coletivo “Tropicália ou Panis et Circensis“, com Caetano, Gil, Gal, Mutantes, Tom Zé e Nara Leão, e arranjos de Rogério Duprat.

Muito se falou depois do lançamento desse disco, sobretudo sobre a polêmica participação de Gil e Caetano no festival da canção da TV Globo no segundo semestre de 1968.

Tom Zé, no entanto, vai buscando seus caminhos. Em novembro de 68, “São São Paulo, meu amor”, de Tom Zé, cantada pelo próprio, vence o IV Festival de MPB da TV Record. No mesmo festival, a música 2001, cuja letra também é de Tom Zé (originariamente com o Título Astronauta libertado), e interpretada pelos Mutantes, fica em quarto lugar.

Em dezembro de 1968, Tom Zé, lança seu LP solo de estreia, “Grande Liquidação” pelo selo Rozenblit.

E destaco, aqui, o texto da contracapa do disco, extraído do próprio sítio oficial do cantor: E ele começa com a frase título desta postagem: “Somos um povo infeliz, bombardeado pela felicidade.”

Somos um povo infeliz, bombardeado pela felicidade.
O sorriso deve ser muito velho, apenas ganhou novas atribuições.
Hoje, industrializado, procurado, fotografado, caro (às vezes), o sorriso vende. Vende creme dental, passagens, analgésicos, fraldas, etc. E como a realidade sempre se confundiu com os gestos, a televisão prova diariamente, que ninguém mais pode ser infeliz.
Entretanto, quando os sorrisos descuidam, os noticiários mostram muita miséria.
Enfim, somos um povo infeliz, bombardeado pela felicidade.(As vezes por outras coisas também).
É que o cordeiro, de Deus convive com os pecados do mundo. E até já ganhou uma condecoração.
Resta o catecismo, e nós todos perdidos.
Os inocentes ainda não descobriram que se conseguiu apaziguar Cristo com os previlégios.  (Naturalmente Cristo não foi consultado).


Adormecemos em berço esplêndido e acordamos cremedentalizados, tergalizados, yêyêlizados, sambatizados e miss-ificados pela nossa própria máquina deteriorada de pensar.
“-Você é compositor de música “jovem” ou de música “Brasileira”?”
A alternativa é falsa para quem não aceita a juventude contraposta à brasilidade.. (Não interessa a conotação que emprestam à primeira palavra).
Eu sou a fúria quatrocentona de uma decadência perfumada com boas maneiras e não quero amarrar minha obra num passado de laço de fita com boemias seresteiras.
Pois é que quando eu abri os olhos e vi, tive muito medo: pensei que todos iriam corar de vergonha, numa danação dilacerante.
Qual nada. A hipocrisia (é com z?) já havia atingido a indiferença divina da anestesia…
E assistindo a tudo da sacada dos palacetes, o espelho mentiroso de mil olhos de múmias embalsamadas, que procurava retratar-me como um delinqüente.
Aqui, nesta sobremesa de preto pastel recheado com versos musicados e venenosos, eu lhes devolvo a imagem.
Providenciem escudos, bandeiras, tranqüilizantes, anti-ácidos, antifiséticos e reguladores intestinais. Amem.

TOM ZÉ .

P.S.

Nobili, Bernardo, Corisco, João Araújo, Shapiro, Satoru, Gauss, Os Versáteis, Os Brazões, Guilherme Araújo, O Quartetão, Sandino e Cozzela, (todos de avental) fizeram este pastel comigo.

A sociedade vai ter uma dor de barriga moral
O mesmo

Fontes: Tropicália: A história de uma Revolução Musical, de Carlos Callado (editora 34); A era dos festivais, de Zuza Homem de Mello/ http://www.tomze.com.br ehttp://brasiltropicalista.blogspot.com/feeds/posts/default

Publicado orginalmente no http://www.musicaemprosa.musicblog.com.br em março de 2010

 

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