A Massa – o grande sucesso do festival MPB80 Raimundo Sodré em parceria com Jorge Portugal

O ano: 1980. A Rede Globo resolve reeditar os festivais da canção, com o denominado MPB 80. Um cantor baiano contagia o público com sua canção, e fica classificado em terceiro lugar. A composição até hoje ecoa… Raimundo Sodré, cantando a sua música, feita em parceria com Jorge Portugal. Seu nome: A MASSA. 

Quando se ouve a introdução, universal e regional, com samba-de-roda e de chula, já se percebe tratar-se de uma canção diferenciada.

A massa é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto, a nossa dor é a dor do menino acanhado, do menino bezerro que vira massa no curral do mundo. A mão que amassa a comida, também molda e amassa “a massa dos homens normais”. 

A canção tem uma série de interpretações, desde a crítica social dos meninos marcados que amassama a mandioca em casas de farinha, bem como a desindividualização do homem, que como jerimum amassado, é colocado como parte de uma massa, massa de meninos…

Essa dor se revela num gemido calado, que salta aos olhos, mas parece não haver alternativa a viver nesse moinho de homens, que amassam e são amassados, e a massa amassada é mansa (reparem na aliteração da massa que amassa e mansa é amassada), e que, quando se lembra da massa da mandioca, o que acontece???   

Raimundo Sodré, numa entrevista ao site http://aqueimaroupa.com.br, disse, sobre a canção e sua apresentação no maracanãzinho, em 1980: : 

– Ver aquele mundo de gente cantando A Massa foi muito especial pra mim, lá na frente meu pai pulando e cantando, segurando as bolsas de todo mundo e vibrando comigo! Ficamos em terceiro lugar, atrás de Oswaldo Montenegro e Amelinha. A música já era um verdadeiro sucesso, tocava em todas as rádios do país”, pontua Sodré.

Sobre a inspiração que o levou a compor a música “A Massa”, Raimundo Sodré conta que estava assistindo a um telejornal, ao lado da sua então esposa, a francesa Danielle, e viu uma notícia sobre determinada reivindicação da classe média e uma outra sobre a mandioca, quando deu o “estalo”:

No noticiário em questão, foi exibida uma matéria segundo a qual a classe média brasileira já estava reclamando muito. “E eu disse: ‘Imagine o pessoal da mandioca!’, o pessoal que planta mandioca, porque passa, que não tem nem direito de chorar. Aí, então, nasceu isso: ‘Quando eu lembro da massa da mandioca, mãe/Da massa’. Fiquei com esse refrão desde 1976, até 1977. Foi quando Portugal colocou a letra”, recordou.

– Fui dormir, quando acordei no outro dia, já estava com o refrão da música na minha cabeça, ‘quando eu lembro da massa da mandioca mãe, a massa…’ (cantarola). Ainda falei com minha mulher, imagine o Maracanãzinho cantando essa música… Dito e certo, previ o sucesso! Mas, antes, gravei a música, em 1976, e levei pra Jorge Portugal fazer a letra, aí ele fez e quando eu ouvi, me emocionei demais. Essa música foi coisa de Deus, porque quando peguei o violão para fazer os acordes, eles casavam perfeitamente com o refrão, acho que Deus colocou no meu ouvido… mas, minha maior tristeza é saber que minha mãe não acompanhou o sucesso da Massa, uma pena! – revela o artista.

Ao começar a escrever A massa, Jorge Portugal relatou que se dirigiu à escrivaninha por volta das 11 h e, em pouco mais de dez minutos, já tinha feito a letra. Sodré, quando recebeu o telefonema de Jorge Portugal, se emocionou: “Quando eu peguei a letra, rapaz, eu chorei. Juro que as lágrimas vieram”.

E o que acontece quando a gente lembra da massa da mandioca?? Fazendo referências em inglês e francês, a “massa” pode ser lembrada como uma referência à maconha, quando fala que “nunca mais me fizeram aquela presença“, em que “massa” e “presença” eram gírias referentes ao consumo…

Mas ele deixa claro que a massa que fala “é a que passa fome“, para, em seguida, fazer referências a sambas-de-roda e chulas do Recôncavo Baiano.

Em 23 de agosto de 1980, veio a consagração. Final do festival MPB 80, promovido pela Rede Globo, no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Cenário lotado, uma apresentação que deixou o público de pé, como se pode ver no vídeo. Raymundo Sodré, de macacão branco e sem camisa, de chapéu e seu violão, fez uma apresentação inesquecível. Ficou em terceiro lugar, atrás de Foi Deus quem Fez Você, de Luiz Ramalho, interpretado por Amellinha, e a campeã foi Agonia, de Mongol, na voz de Oswaldo Montenegro.

A dor da gente é dor de menino acanhado
Menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar
Que salta aos olhos igual a um gemido calado
A sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar

Moinho de homens que nem jerimuns amassados
Mansos meninos domados, massa de medos iguais
Amassando a massa a mão que amassa a comida
Esculpe, modela e castiga a massa dos homens normais

Quando eu lembro da massa da mandioca mãe, da massa
When I remember of “massa” of manioc
Nunca mais me fizeram aquela presença, mãe
Da massa que planta a mandioca, mãe

A massa que eu falo é a que passa fome, mãe
A massa que planta a mandioca, mãe
Quand je rappele de la masse du manioc, mére
Quando eu lembro da massa da mandioca

Lelé meu amor lelé no cabo da minha enxada não conheço “coroné”
Eu quero mas não quero (camarão).
Minha mulher na função (camarão)
Que está livre de um abraço,
mas não está de um beliscão

Torno a repetir meu amor: ai, ai, ai!
É que o guarda civil não quer a roupa no quarador
Meu Deus onde vai parar, parar essa massa
Meu Deus onde vai rolar, rolar essa massa

No canal de Danilo Ribeiro no Youtube, Jorge Portugal contou de onde veio a inspiração da letra:

A dor da gente é dor de menino acanhado

“É aquela dor que nunca se expressa. Um menino acanhado é um menino tímido, um menino que está oprimido. Todos nós estávamos sob o regime militar, a ditadura militar.”

Menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar/Que salta aos olhos igual a um gemido calado

“Aquele gemido do menino acanhado, que não expressa”, e que salta aos olhos da sociedade.

A sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar

“Mal-assombrado era a ditadura.”

Moinho de homens que nem jerimuns amassados/Mansos meninos domados, massa de medos iguais

Nessa parte, Portugal descreveu, em algumas frases, a opressão recorrente na ditadura.

Amassando a massa a mão que amassa a comida

“Que distribui a comida, a sobrevivência.”

Esculpe, modela e castiga a massa dos homens normais

“São aqueles que não se rebelam, aqueles que não questionam, aqueles que estão em estado de letargia, de alienação, e que, portanto, são manobrados por aqueles que, na verdade, amassam a massa e têm toda a riqueza em suas mãos.”

Quando eu lembro da massa da mandioca, mãe/Da massa… (refrão)

A partir do “Lelé, meu amor, Lelé/No cabo da minha enxada/Não conheço o coroné”, é um pot-pourri dos sambas e chulas.

Fonte: http://aqueimaroupa.com.br/2010/07/25/sodre-o-cantador-das-dores-e-amores-da-massa/

https://hugogoncalvesjor.blogspot.com/2020/07/raimundo-sodre-e-jorge-portugal-contam.html

Quando lembro da massa da mandioca, mãe…

Diana

Em 1957, uma música de acordes simples e que relatava um amor adolescente não correspondido se eternizou na música americana e ganhou inúmeras regravações e versões pelo mundo todo: me refiro à canção Diana, de Paul Anka, que se tornou imediatamente um sucesso mundial. Quem nunca ouviu a célebre frase: “Oh, please stay by me, Diana

Resta saber quem era a musa por detrás desta canção, e como ela repercutiu na época. Em muitos sites, relata-se que Diana seria a babá de Paul Anka, e que ela seria 5 anos mais velha que ele. Nenhuma das versões é verdadeira.

Paul Anka, canadense de ascendência libanesa, escreveu esta canção em Otawwa quando tinha 16 anos, dedicado à Diana Ayoub, que uma amiga que tinha 18 anos na época (dái a primeira frase – “I’m so young and you’re so old”)

No livro musica e musas, deMichael Heatley e Frank Hopiksom (ed. Gutemberg, 2011), relata-se a paixão nãop realizada do adolescente Paul Anka por Diana Ayoub:

 Diana simplesmente não estava interessada. Como ela relembrou anos mais tarde: “Minha amiga disse que ele estava apaixonado por mim, e eu repondi: ´Não seja ridícula, ele é nosso amigo”, Mas Paul estava de fato apaixonado e, quando criou coragem para mostrar a Diana sua nova canção, só conseguiu tocá-la no piano, encabulado de mais para cantar as palavras que declaravam seu amor. Ele então passou a cantá-la em festas, na esperança de que a letra chegasse até Diana.

 Ele visitava a casa dos Ayoub, sob qualquer pretexto, de manhã, de tarde e de noite. Mas, se o pai de Diana já estava se cansando da intrusão persistente, isso não era nada em comparação à perturbação que a família teve que enfrentar no ano seguinte, quando a canção se tornou sucesso internacional.

 Em sua autobiografia de 2013, o cantor se referiu a Ayoub como sua “paixão adolescente”,

Eu tinha esse talento para cantigas adolescentes estúpidas em um momento em que os adolescentes queriam ouvir cantigas adolescentes simples. Eu era um garoto solitário e sabia que havia muitos de nós por aí. Eu veria outros garotos solitários aos pulos quando eu tocasse. Colocar a sua cabeça no meu ombro – esse era o seu objetivo naquele fim de semana… além de talvez ganhar um beijo e colocar a mão na blusa dela. Tudo isso eu entendi muito literalmente pelo simples fato de ser adolescente. Eu mesmo estava passando por todas essas emoções. Não questionei, não tentei ser inteligente. O que eu estava escrevendo e interpretando era apenas um lamento descarado de adolescente. Todas essas coisas iniciais eram intensamente pessoais, baseadas no que eu sabia, que era bastante básico.

Assim que “Diana” se tornou um sucesso, começaram a circular histórias sobre como ela foi escrita. Publicaram interminavelmente que minha paixão adolescente, Diana Ayoub, era minha babá. Eu simplesmente cansei de apagar aquele fogo, então deixei-o viver. Foi uma pequena história fofa. Isso foi nos anos cinquenta. Se você fosse um garoto de dezesseis anos, só namoraria uma garota mais nova que você. A situação oposta era apenas um tabu naquela época. E Diana não era apenas mais velha que eu, ela era muito mais sofisticada.

“DIANA” foi editada em 1957 por Joe Sherman, outro compositor americano. A música foi lançada naquele mesmo ano, em um compact disk da gravadora Gold rotulado “The Lovely Boy”, tendo lado B a música “DON’T GAMBLE WITH ME”. A repercussão não poderia ter sido melhor: a canção estourou nos Estados Unidos, Reino Unido e, por conseguinte, no resto do mundo. Foi o compacto mais vendido do ano e “DIANA” foi parar no topo das paradas de sucesso.

Paul Anka se tornaria um dos cantores mais populares da América e do mundo inteiro, cujo sucesso maior foi justamente uma canção inspirada naquela moça, sendo o título desse hit exatamente o nome da musa.

Diana Ayoub não imaginava que Paul Anka era apaixonado por ela: “Eu absolutamente não tinha a menor ideia”, disse ela à CBC em 1997. “Eu o encorajei muito e pensei que éramos apenas amigos”. Diana, apesar de ter se divertido inicialmente com o sucesso da canção, depois não ficou muito feliz com a repercussão da música: “Eu não esperava que fosse tão grande; estava em todo o mundo, você sabe, eu não poderia ir a lugar nenhum. Fui seguido por espiões, foi muito selvagem.”

Outras frases ditas por Diana:

“Havia repórteres esperando por mim na minha formatura do colegial”.

“Os rapazes não me convidavam para sair porque no dia seguinte o retrato deles sairia no jornal.

Por alguns meses, a vida de Diana Ayoub se tornou difícil: ela era espionada e perseguida pela imprensa, constantemente importunada por repórteres em busca de detalhes pessoais seus ou de Paul.

Diana permaneceu em Ottawa, casou-se, formou família e foi trabalhar, tornando-se gerente de um armazém de atacado de roupas chamado Divine Liquidation. Faleceu em 2022, aos 83 anos.

A letra da canção:

​I’m so young and you’re so old
This, my darling, I’ve been told
I don’t care just what they say
‘Cause forever I will pray
You and I will be as free
As the birds up in the trees
Oh, please stay by me, Diana

Thrills I get when you hold me close
Oh, my darling, you’re the most
I love you but do you love me
Oh, Diana, can’t you see
I love you with all my heart
And I hope we will never part
Oh, please stay by me, Diana

Oh, my darlin’, oh, my lover
Tell me that there is no other
I love you with my heart
Oh-oh, oh-oh, oh don’t you know
I love you, I love you
So only you can take my heart
Only you can tear it apart?
When you hold me in your loving arms
I can feel you giving all your charms
Hold me, darling, ho-ho hold me tight
Squeeze me baby with-a all your might

Oh, please stay by me, Diana
Oh, please, Diana
Oh, please, Diana

Fontes:

Músicas e Musas: A Verdadeira História por Trás de 50 Clássicos pop: r Michael Heatley (Autor), Frank Hopkinson (Autor), Cristina Bazan (Tradutor), Christiane de Brito Andrei (Tradutor). Gutemberg, 2001,

https://filomusicology.blogspot.com/2016/01/elas-se-tornaram-cancao-diana-paul-anka.html

https://www.cbc.ca/news/canada/ottawa/diana-paul-anka-obituary-1.6672005

My Way. Uma autobiografia (Paul Anka)

Moraes Moreira no Museu de Arte da Bahia

O dia 8 de novembro de 2023 é o último dia em que está em exposição, no Museu de Arte da Bahia, a mostra Mancha de Dendê Não Sai – Moraes Moreira, que apresenta a trajetória musical de Moraes Moreira, um dos mais relevantes artistas baianos e brasileiros.

A trajetória de Moraes é contada desde sua história em Ituaçu, quando se interessava pela sanfona; a vinda para Salvador, quando foi apresentado a um de seus maiores parceiros musicais (Galvão), que foi a gênese dos Novos Baianos.

Narra a influência de João Gilberto para a sonorização do grupo, quando ele e Pepeu Gomes “roubavam” acordes de João quando ele ia tocar violão com os Novos Baianos.

Conta sua trajetória como primeiro cantor do Trio Elétrico, e sua parceria com Armandinho, Dodô e Osmar.

Trata de suas inúmeras parcerias musicais, de Fausto Nilo a Marisa Monte; Paulo leminski a Antonio Risério; Pepeu Gomes, Armandinho, Galvão, seu filho Davi.

A exposição começa contando a história de Moraes Moreira, com os textos pulverizados em plaquinhas de madeira trançadas, que conta sua trajetória pessoal e musical. A cenografia é de Renata Mota, a direção-geral é de Fernanda Bezerra.

Um dos destaques é sua releância e importância para o carnaval da Bahia. Nos anos 70 e prineira metade dos anos 80, Moraes Moreira era o verdadeiro rei do Carnaval da Bahia, e seus frevos trieletrizados, ijejás, sua mistura de ritmos foi fundamental para a grandeza da festa carnavalesca.

A mostra ainda contempla depoimentos de muitos parceiros de Moraes, contando histórias sobre experiências e composições, tem imagens de Moraes em cima do trio elétrico, tem áudios com suas poesias e literatura de cordel, e uma imagem marcante de seu violão cercado de microfones em volta.

É uma mostra que homenageia Moraes para quem o admira, e também interessanete para quem ainda não o conhecia. Importante legado de um dos artistas mais completos do Brasil.

Arca de Noé – Vinicius de Moraes

Há uma tendência de que todo adulto se lembre de seu tempo de criança como o melhor de todos os tempos. Os brinquedos, os costumes, as guloseimas, as músicas  e os programas de TV. No entanto, é difícil encontrar um musical infantil que se compare à Arca de Noé, programa da TV Globo lançado em 1980 para o Dia das Crianças.

O programa de Augusto Cesar Vanucci, com roteiro de Ronaldo Bôscoli, tem como inspiração um conjunto de poesias “Arca de Noé”, lançado por Vinicius de Moraes em 1970. Na primeira versão, participaram do projeto Toquinho, Chico Buarque, Milton Nascimento, Elis Regina, Marina Lima (então só Marina), Moraes Moreira, Alceu Valença, Ney Matogrosso, Bebel Gilberto, Frenéticas, Fabio Jr., Boca Livre e Walter Franco.

Ainda hoje, assistindo o especial, numa precária cópia gravada em VHS, percebe-se a riqueza musical, que se inicia de modo solene, com Chico Buarque narrando um primeiro trecho da poesia, que se transforma em canção na voz de Milton Nascimento. A narrativa dos animais amontoados na arca, e depois a saída dos animais:  

Os maiores vêm à frente
Trazendo a cabeça erguida
E os fracos, humildemente
Vêm atrás, como na vida.

Depois da canção de abertura, vem “A porta”, com Fábio Jr., em que a porta “fecha a frente do quartel“, mas que “só vive aberta no céu”. 

Depois começa, enfim, o desfile dos bichos, e Vinicius escapa dos bichos óbvios, começa com a circense “a foca”, com Alceu Valença, que apresenta as focas americana (“rica, rica, mas que não dá para ninguém”), a foca francesa, cheia de plumas e paetês, ao som da Marselhesa, ao fundo, e a Foca Brasileira,que caiu, porque não tem sardinha.

Tem Elis Regina, cantando a “feia e esquisita” Coruja, Bebel Gilberto, adolescente, cantando a pulga que vai atrás do freguês encher a barriguinha, Moraes Moreira louvando as abelhas operárias e fazendo troça da abelha rainha que “engorda a pancinha e não faz mais nada”.

A canção “O pato”, na interpretação do MPB-4, foi uma das músicas de mais sucesso do especial, pois conta de modo bem humorado as agruras de um pato atrapalhado, que se mete em confusões com galinha, com marreco e que, por causa disso, acaba na panela. (Mas no programa, a menininha Aretha liberta o patinho do forno…)

Em seguida tem Ney Matogrosso, absolutamente discreto, cantando lindamente a Oração de São Francisco, acompanhado de um violão.

Marina faz uma bela interpretação de “O gato”, para em seguida o Boca Livre cantar “A casa” , sem teto, sem chão, sem parede, sem penico, na Rua dos Bobos, número zero…

Pode parecer estranho que, num disco e programa sobre a Arca de Noé, haja uma divertida e maliciosa interpretação das Frenéticas e os solfejos da aluna e do professor nas aulas de piano.

O site http://caracol.imaginario.com/discoteca/arcadenoe/index.html, esclarece:

Até aula de piano tem. Onde o poeta buscou inspiração para colocar uma aula de piano nessa arca? 

Ele era um homem de muitas leituras e escutas. Provavelmente conhecia a obra do músico francês Camille Saint-Säens, autor de O Carvanal do Animais. Pois bem que nesse desfile, além de cangurus, galos e galinhas, leão, burro, musaranho, cisne, até aquário e fósseis, aparecem os pianistas… e, como o colega francês, o poeta brasileiro tratou de incluir uma aula de piano na roda de tantos bicos, bocas, bigodes, pêlos e penas. Acredita? Outra curiosidade: Vinícius de Moraes, anos antes de escrever A Arca de Noé, ter traduzido o livro Orações na Arca, da religiosa francesa Carmen Bernos de Gastold.    

Terminando o disco com a tranquila “O relógio”, com Walter Franco, e o encerramento com a bela “Menininha”, interpretada por Toquinho, como uma prece pela eternização da infância, como uma saudade antecipada de quem quer que a criança continue criança a vida inteira.

Um especial fantástico e atemporal. Assim como Vinícius. A Arca de Noé foi escrita inicialmente por Vinícius para seus filhos Suzana e Pedro. No site oficial de Vinícius, a história é contada:

 Por muitos anos, eles ficaram guardados. Só em 1970, o conjunto de poemas infantis ganha o mundo. Seu lançamento ocorre na Itália, país onde a presença do poeta era constante, seja através de diversas visitas e temporadas ou de traduções de sua obra. 

É lá, justamente quando Vinicius conhece um amigo de Chico Buarque chamado Toquinho, que o disco com os poemas infantis é preparado. O disco é chamado L’Arca. No mesmo ano, seus poemas musicados na Itália são lançados em livro no Brasil. Dez anos depois, dois discos dedicados ao conjunto de poemas infantis de Vinícius também são lançados no país, com o mesmo nome do livro. 

A Arca de Noé tornou-se um dos livros mais populares de Vinicius de Moraes por ter criado um laço com as crianças. Todas as gerações têm nos seus poemas uma porta de entrada no mundo da literatura e da música popular brasileira. Ao mesmo tempo, no âmbito musical, foi o primeiro trabalho que apresentou a ele Toquinho, parceiro até o fim da vida. 

https://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/poesia/livros/arca-de-noe

Eu também quero beijar… ou Béjart?

Um dos grandes sucessos de Pepeu Gomes, “Eu também querio Beijar”, com um daqueles riffs  de guitarra que terminam por identificar a música, tem uma história bem curiosa.

A letra da canção, que trata de coisas boas, que eu lírico também quer beijar. Só que a origem não tem nada a ver com a ideia de beijo, mas da visita de um coreógrafo ao Brasil depois de quase 20 anos. 

Tratava-se de Maurice Béjart, que fazia sucesso no mundo inteiro (a sua coreografia do Bolero de Ravel é uma referência em todo mundo), e que, depois de muito tempo, viria ao Brasil. 

A história da letra é contada por Ruy Godinho, no terceiro volume do Livro “Então, foi assim? Os bastidores da criação musical brasileira” 

Estávamos em 1981. O general João Baptista Figueiredo, último presidente militar a governar o país, reafirmava o projeto de abertura política iniciado no governo anterior. Mais uma vez, o Rio de Janeiro teria o privilégio de receber o balé do famoso coreógrafo francês Maurice Béjart, da Opera National de Belgique. Béjart tinha uma grande ligação com o Brasil. Havia se apresentado aqui em 1963. Apesar do êxito da apresentação de sua companhia e a afeição que sentiu pelo país, só aceitou retornar em 1979, com o processo de abertura. Não concordava com o regime autoritário imposto pela ditadura. Naquele ano, o público lotou o Teatro Municipal do Rio de Janeiro para ver Béjart ao lado da bailarina brasileira Laura Proença. Ele não dançava havia dez anos.

No Rio, não se falava noutra coisa. Nos lares, nos bares, nas ruas. Ninguém queria perder Béjart. Todos queriam ver Béjart. Era Béjart pra cá, Béjart pra lá.

 Segundo Pepeu: “A gente fez essa música quando o Maurice Béjart, aquele coreógrafo, dançarino, estava no Rio de Janeiro. Eu estava andando muito com o Moraes na época. Mesmo pós-final dos Novos Baianos, a gente sempre teve uma ligação grande, a gente é meio padrinho dos filhos [um] do outro. E quando a gente ia ao Baixo Leblon, as pessoas ficavam dizendo: ‘Poxa, vamos ver o Béjart, eu também quero Béjart’. Aí a gente ficou com essa ideia na cabeça e fez Eu também quero beijar [risos]. E a música tornou-se um grande sucesso, foi uma alegria, foi o meu primeiro disco de ouro e tudo”, conclui Pepeu Gomes.

 O mote surgiu da presença de Béjart no Brasil. Porém, o letrista Fausto Nilo, convidado a participar da parceria, foi buscar elementos do folclore de Quixeramobim, no interior do Ceará, sua cidade natal, na contribuição que deu para o desenvolvimento da letra.

“Eu morava em Copacabana, na Tabajaras, ali perto do Teatro Opinião. O Moraes morava numa travessinha no Jardim Botânico, perto do Parque Lage”, começa seu relato o letrista cearense. “E, um dia, ele me ligou dizendo: ‘Cara, tô eu e Pepeu aqui. Estamos fazendo uma melodia interessante, não quer vir pra cá’? E eu fui. Quando cheguei, a música já estava quase pronta, eles estavam cantando com muito entusiasmo. Já estava bem-avançada. E eu, com o meu caderninho, comecei a anotar umas palavras. Normalmente eu conduzia, mas eles estavam participando, o Moraes dava palpite e tal. E fizemos. Deu certo, fizemos tudo, mas o refrão ninguém encontrava uma boa solução. Essa é minha versão”, preocupa-se Fausto com a fidelidade do relato.

Fausto Nilo

“O refrão, o Moraes disse assim:

‘– Eu tive uma ideia aqui. Eu fui ontem ver o Béjart, o bailarino, rapaz, no Teatro Municipal’!

E elogiou muito:

‘– Que coisa fantástica, aquilo é sensacional’.

E nessa conversa ele sugere:

‘– Por que a gente não põe assim: eu também quero Béjart’?

E como a loucura era grande, a gente cantou, achou bom, e ficou Eu também quero Béjart. A flor do desejo do maracujá… Já na parte que diz: haja fogo, haja guerra, isso é uma música lá da minha terra, de domínio público, do reisado. Só que lá a melodia tem outra forma: haja fogo, haja guerra, haja guerra que há/haja fogo, haja guerra, haja guerra que há/morreu secretário chegou general/haja fogo, haja guerra, haja guerra que há [Fausto canta com outra melodia]. E foi ficando uma coisa louca: haja fogo, haja guerra… eu também quero Béjart. E aí terminamos, a música ficou pronta e fomos tomar um cafezinho. Quando voltamos e pegamos de novo, eu falei assim:

‘– Cara, vamos ver uma ideia aqui porque não sei se o povo vai sacar essa história de Béjart, né? Essa música é muito popular e tal. Vamos simplificar pra Eu também quero beijar’. Como todo mundo quer beijar, pronto, ficou isso aí”, conta Fausto Nilo.

Maurice Béjart

Eu também quero beijar foi registrada originalmente no LP Pepeu Gomes (WEA, 1981); posteriormente, no CD Moraes e Pepeu no Japão (WEA, 1991); no CD Meu Coração – Pepeu Gomes (Trama,1999); e no CD Hits e Dubs – Cidade Negra (Epic/Sony Music,1999).

Fogueira: De Ângela Ro Ro para Zizi Possi

Histórias de amor deixam marcas e músicas. Algumas músicas, como algumas histórias de amor, são óbvias e não possuem muita coisa de especial. Outras músicas marcam, ficam definitivamente marcadas, como certas e especiais histórias de amor.

Toda história verdadeira de amor tem sua canção ou sua trilha sonora, e sorte de quem consegue traduzir numa bela letra, harmonia e melodia os encantos e desencantos do amor vivido.

Falo isso para analisar uma das músicas mais belas, senão a mais bela, gravada por Ângela Ro Ro. Esta música é Fogueira, cuja letra segue abaixo.

Por que queimar minha fogueira?
E destruir a companheira
Por que sangrar o meu amor assim?
Não penses ter a vida inteira
Para esconder teu coração
Mas breve que o tempo passa
Vem num galope o teu perdão

Porque temer a minha fêmea?

Se a possuis como ninguém
A cada bem do mal do amor em mim
Não penses ter a vida inteira
Para roubar meu coração
Cada vez é a primeira
Dou fé também serás ladrão

Deixa eu cantar
Aquela velha história, o amor
Deixa penar, a liberdade está também na dor

Eu vivo a vida a vida inteira
A descobrir o que é o amor
Leve pulsar do sol a me queimar
Não penso ter a vida inteira
Pra guiar meu coração
Sei que a vida é passageira
E o amor que eu tenho não!

Quero ofertar
A minha outra face à dor
Deixa eu sonhar com a tua outra face, amor

 A música foi composta para Zizi Possi, com quem Ângela vivia um romance (ambas moravam juntas), e algumas histórias não bem esclarecidas fizeram com que o romance terminasse. As fontes – nem sempre confiáveis – dão conta de que Ângela teria sido acusada de agredir Zizi, outra, que Ângela teria feito um escândalo num show de Zizi, a ponto de precisar ser retirada pela polícia do teatro onde Zizi se apresentava.

Numa entrevista, Angela Afirmou:

“Eu nunca bati em ninguém nem naquela cantora em 1981. Nunca dei um tapa nela e nem ela em mim. E até hoje eu carrego essa cruz de infâmia e calúnia”, contou, em entrevista ao portal ‘Gay Blog’.

“Admiro muito o canto dela, quero o bem dela, não desejo mal nenhum. Foi imperdoável e continua sendo a omissão. Ela simplesmente poderia ter dito a qualquer hora, desde aquele ano até hoje: ‘Olha, a Ro Ro nunca me bateu’. Não custava nada”, continuou.

“Ela calou, e quem cala consente. Eu fiquei com essa má fama, mas só acredita nessa fama quem não presta”, finalizou a cantora

Uma situação, que causou mais impacto, foi quando, após o rompimento, Ângela compareceu a um show de Zizi. Na voz de Ângela:

Mandei comprar ingressos e fiquei em casa, com o meu amigo Claudio conversando e bebendo vinho. Como tivesse sobrado meia garrafa, botamos na mochila dele e saímos. Quando entramos no teatro, as luzes já estavam apagadas. Sentamos, no maior silêncio. Mas comecei a participar do espetáculo, como uma espectadora comum que estivesse adorando o que se passava no palco, cantei junto, aplaudi e gritei “Zizi Possi, eu te amo!”. Acontece que eu sou extrovertida e essa é minha maneira de opinar, tanto para elogiar quanto para protestar. A primeira parte do show terminou com My sweet lord que eu adoro e cantei interinha, do meu lugarzinho. foi quando as luzes se acenderam para o intervalo.”  

No entanto, esta interferência não teria agradado Zizi, que, segundo a mídia da época, teria retrucado:

 “Eu gostaria muito que você entendesse…Usasse toda a sua inteligência e percebesse que é com você que eu estou falando agora. As suas vibrações me incomodam, sua presença me perturba… Você nunca me ajudou, por favor não me atrapalhe, não se interponha em minha vida pois você não me é mais uma pessoa querida. Levanta, levanta por favor vai embora! Levanta, saia do teatro agora! Eu preciso de paz pra tocar e cantar!”

Ângela acabou sendo retirada do Teatro pela polícia. Disse ter sido traída:

Zizi me traiu. e quando falo em traição, não me refiro a infidelidade. Traição é aquilo que Tiradentes sofreu e eu, que não sou dada a usar coroas de espinhos, não estou afim de entrar nessa… mas não esquento não. Nunca vi um monte de formigas derrubar Gibraltar, a ambição dessa mulher, de ser Sara Bernhardt, já esta quase preenchida, falta chegarmos ao tribunal. Aí sim, a pobre moçoila seduzida pela terrível bêbada e perigosa homossexual”

O fato é que a mídia da época, no início dos anos 80, tratava a relação de ambas como um tabu, sendo feitas diversas referências preconceituosas sobre a homossexualidade.

 As razões do rompimento são questões menores e que devem ficar para as revistas de fofocas. O fato é que Ângela fez uma música confessional, uma declaração de amor e de incredulidade por alguém que está magoando o eu lírico, alguém que está machucando, se escondendo, decepcionando um amor profundo, mas que, apesar de tudo, o amor resiste.

 É uma canção que oferece um perdão em nome do amor, que tenta dizer que nem sempre haverá outra oportunidade para vivê-lo e ganhá-lo a cada revés, mas que ao mesmo tempo se contradiz, dizendo ser o amor eterno, não passageiro, que está sempre disposto a perdoar se o objeto do sentimento puder, ainda que brevemente, estender a mão.

 “Fogueira” foi gravada também por Bethania em 1983, mas seu caráter absolutamente confessional a faz mais bonita quando interpretada por Ângela Ro Ro, cuja voz rouca e o estilo de cantar lembra um pouco a cantora Maysa (e a intensidade dos sentimentos, também).   

 Essa musica foi gravada no seu terceiro LP, “Escândalo”, de 1981, título de uma das músicas do LP, de autoria de Caetano, como que uma tradução daquele momento em que vivia a cantora, logo após a separação de Zizi Possi, ocorrida de modo traumático e coberta do modo naturalmente sensacionalista pela imprensa da época.   

 A capa do disco traz o nome “escândalo” como se fora uma manchete de jornal, parodiando as notícias escandalosas que saíram na imprensa por conta de seu rompimento com a cantora Zizi Possi.

 Muitos anos depois, em entrevista ao Jornal “Gazeta do Povo”, Ângela esclareceu:  

  Não quero ser indelicado, mas o desafeto com a Zizi Possi continua?

Com a Zizi Possi? Não há o menor desafeto. Eu tive uma profunda tristeza da gente. Ela e eu fomos vítimas de manipulações, de más línguas. As pessoas foram muito maliciosas. Muita maldade, muita truculência física e psicológica contra mim. Eu nunca bati em ninguém, muito menos na Zizi e ela sabe disso. Eu acho a Zizi uma pessoa muito bacana. Nunca mais fizemos amizade. Ela tem uma filha linda que canta tão bem quanto ela. Zizi é uma grande artista. Pena que nunca mais fizemos amizade porque eu poderia pedir dinheiro emprestado a ela, né?

https://www.feedclub.com.br/angela-ro-ro-zizi-possi/

“Totalmente demais”

As mulheres e suas canções… às vezes as canções são inspiradas numa mulher real, que tem nome. 

Outras, inspiradas em mulheres fictícias, imaginadas. 

Parece que Totalmente Demais, letra de Tavinho Paes para música de Arnaldo Brandão e Robério Rafael, não foi feita para mulher nenhuma, ou para muitas mulheres. Ou pelo menos essa é a visão do autor. 

A música, gravada inicialmente pela banda Hanói Hanói em 1986, e gravadea em seguida (no mesmo ano) por Caetano Veloso, descreve uma mulher, linda, andrógina, poderosa, impusliva, de sexualidade fluida e que sabe jogar o jogo da vida, da sexualidade e sedução, e joga para ganhar…

Ela curte a vida, agita um “broto” a mais (“broto” é (expressão típica entre os anos 60 e 80, que indica uma pessoa jovem e bonita), que curte “só pra relaxar”, que “transou um Rolling Stone no Canadá”.

Há insinuações sobre dinheiro e consumo de drogas, de alguém que frequenta a alta sociedade. essa é a mulher “totalmente demais”.

Num depoimento ao Portal Cronópios, Tavinho Paes, o autor da letra (ele é poeta, compositor, escritor, roteirista, jornalista e artista visual) fala um pouco da canção: 

 A INSPIRAÇÃO

Como se tratava de uma fotografia de uma época (e não uma descrição detalhada de um personagem único na vida real da cidade), não teve uma única musa inspiradora, mas um conjunto de detalhes colhidos na paisagem louca do final dos anos 70, no período da ditadura que ficou conhecido como o da Anistia Lenta e Gradual, geopoliticamente engendrada pelo General Golbery do Couto e Silva.

Sem prejuízo do ideal produzido pela mídia, a tal TOTALMENTE DEMAIS pode ser literalmente comparada a um Frankenstein. Suas musas inspiradoras contribuiram para que esta vestal existisse, totalmente ideal como os poderes do Santo Graal, emprestando-lhe características de suas personalidades (incuíndo o atualmente tão badalado componente narcísico), índícios dos seus carateres (volúveis ou não); fragmentos de suas vontades e desejos (todos meio alucinados)...

Foram mulheres de idades diferentes, destinos incompossíveis e vidas sem nenhuma conexão entre si. Foram fotografadas em bailes, bares da noite e festas. Estavam todas compromissadas e satisfeitas com as hoje intoleráveis liberdades sexuais conquistadas pelos hippies e outsiders das décadas de 60 e 70 (coisa que favoreceu muito os psicopatas). Conheceram seus corpos e mentes, por dentro e por fora, com desaconselháveis e poderosas doses de ácido lisérgico, além de suaves baforadas de cannabis e haxixe e fungadas numa cocaína inca que desapareceu do mercado há muito tempo. Todas:…maravilhosas!!!

O ERRO DE DIGITAÇÃO E A CENSURA 

Nesta primeira versão, um erro de digitação no material enviado para a Censura Federal, inviabilizou sua presença nas rádios e tvs. Logo no primeiro verso, ao invés de “LINDA COMO UM NENÉM…”, a datilógrafa escreveu: “LINDA COMO UM HOMEM…”.

Meu Deus! De onde tiraram aquela infâmia! Deveria ter processado a gravadora por lucros cessantes! Afinal, a musa inspiradora dos dois primeiros versos era nada mais nada menos que minha filha, Dianna Rosa, então com 2 anos de idade, que, por acaso, passava pelo corredor da casa, enquanto eu e Arnaldo compunhamos as primeiras linhas da melodia e ele não identificou o sexo dela, tomando-a por meu filho…

Quem foi a pessoa responsável por esse descuido, até hoje, ninguém sabe; mas, o resultado deste deslize foi conhecido uma semana depois: a música acabou sendo proibida de frequentar qualquer emissora de rádio ou televisão. O laudo do Censor, outro nobre desconhecido, foi taxativo: PROIBIDA EXECUÇÃO PÚBLICA POR CONTER APOLOGIA AO HOMOSSEXUALISMO.

A CENSURA, PELA SEGUNDA VEZ

Acreditávamos que os satãs de Brasília já tinham esquecido a consulta prévia, feita em 84. Com a abertura caminhando sob o tacão do General Figueiredo e o êrro datilográfico devidamente recauchutado, acreditávamos que, finalmente teríamos outra chance. Santa ingenuidade! Mais uma vez quebramos a cara. Desta vez, o laudo do legista apontou Incitação e Apologia ao Uso de Drogas! Mesmo recorrendo, nenhum dos recursos que tentamos passaram no Conselho Superior de Censura(colegiado que resolvia alguns casos semelhantes).

A VERSÃO DE CAETANO 

A versão que isentou a TOTALMENTE DEMAIS de suas implicações com as leis de exceção do regime militar e a retirou de seu incomodo ostracismo, só chegou anos depois, através de Caetano Veloso, num álbum apócrifo, que ele declarou inúmeras vezes que não gosta, registrado num projeto acústico gravado ao vivo, no Copacabana Palace, batizado de… TOTALMENTE DEMAIS. 

ONDE ANDAM TAIS MUSAS? 

..digamos que, com a máquina do tempo triturando a história, a musa da canção perdeu sua identidade polimorfa. Ficou muito tempo mofando na geladeira da morgue. Quando se tornou popular, as várias musas que montaram aquele Frankstein cubista já haviam evaporado. Algumas resistem até hoje e outras apareceram com as novas versões remixadas (como a da cantora Perlla, que ressuscitou o tipo e o introduziu na seara do hip-hop).
Na verdade, as verdadeiras musas desta canção foram aqueles tempos que nem a nostalgia mais saudosista restaurará. As musas que deram charme e montaram a fotografia daquela Cleópatra virtual são os pequenos registros dos tempos em que as paixões entravam em combustão espontânea, incendiavam a libido das pessoas e a AIDS ainda não era uma ameaça.

Uma história interessante, o retrato de um pedaço da realidade de uma época, por intermédio dessas mulheres… tidas como “totalmente demais…” 

É algo que ultrapassa os limites de apologia ao amor livre (o que, na época da canção, tinha algo de revolucionário em épocas em que o HIV matava, e os grupos de risco estavam ligados ao comportamento sexual). Uma mulher (ou muitas) que representam uma liberdade sem culpa , e um poder que se revela no seu interesse desapegado…

Linda como um neném
Que sexo tem, que sexo tem?
Namora sempre com gay
Que nexo faz tão sexy gay

Rock´n´roll?
Pra ela é jazz
Já transou
Hi-life, society
Bancando o jogo alto

Totalmente demais, demais

Esperta como ninguém
Só vai na boa
Só se dá bem
Na lua cheia tá doida
Apaixonada, não sei por quem

Agitou um broto a mais
Nem pensou
Curtiu, já foi,
Foi só pra relaxar

Totalmente demais, demais

Sabe sempre quem tem
Faz avião, só se dá bem
Se pensa que tem problema
Não tem problema
Faz sexo bem

Seu carro é do ano
Seu broto é lindo
Seu corpo, tapete, do tipo que voa
É toda fina
Modelito design

Se pisca, hello
Se não dá, bye-bye

Seu cheque é novinho, ela adora gastar
Transou um Rolling Stone no Canadá

Fazendo manha
Bancando o jogo
Que mulher

Totalmente demais, demais
Totalmente demais, demais

Fonte: http://cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=4728

quarta 04 dezembro 2013 15:56 , em Mulheres e suas canções

Tom Zé – Menina amanhã de manhã (Vai) – Uma canção de protesto disfarçada

A canção “Vai” (Menina amahã de manhã), de Tom Zé, foi gravada no disco “Estudando o samba”, de 1976. A música, na sua gravação original, tem um arranjo delicado, só com violão, e num primeiro momento emula uma certa suavidade, em que a felicidade parece algo inexorável, inescapável…

Menina , amanhã de manhã
quando a gente acordar
quero te dizer que a felicidade vai
desabar sobre os homens, vai
desabar sobre os homens, vai
desabar sobre os homens.
Na hora ninguém escapa
de baixo da cama ninguém se esconde
e a felicidade vai
desabar sobre os homens, vai
desabar sobre os homens vai
desabar sobre os homens.

Mas quando a gente se depara com o resto do texto, percebe que não é bem assim. Pois, na letra, começa a falar que a felicidade mete medo, fecha a roda, não tem saída… afinal, deve-se tomar cuidado com a felicidade? É algo de que não se pode escapar?

Menina, ela mete medo
menina, ela fecha a roda
menina, não tem saída
de cima, de banda ou de lado.
Menina, olhe pra frente
menina, tome cuidado
não queira dormir no ponto
segure o jogo
atenção (de manhã)

Então, numa apresentação no SESC Pompeia em 2010, Tom Zé explicou o sentido da canção:

No decorrer da apresentação, ele fala:

A gente aqui nessa desgraça, a gente não podia falar claramente, o que é que vocês estão pensando… era uma porra de uma ditadura. Uma ditadura, ditadura. Torce pescoço de gente, a gente tinha que falar camuflado. Esta música “menina amanhã de manhã”, Monica Salmaso gravou agora. Agora, já não podia, a música já era bonitinha não precisa ter nenhuma referência a ditadura quase… era só a beleza que Monica Salmaso é capaz de cantar.

Vocês vão subentender o que tem aí de cuidado pra ditadura não compreender o que a gente tá falando dela.  

Depois de cantar a primeira parte da música, ele faz uma pausa para explicar:

A ditadura fazia campanha dizendo que o Brasil era um pais felicíssimo: Ame-o ou deixe-o!

A felicidade fecha a roda, não tem saída! Tem que ser feliz! Se não for feliz vai ser preso!!

A gente que é Brasileiro reage até a opressão pelo menos a gente termina de perna aberta

No fim da canção, a música passa a ter um quê de poesia concreta:

Menina, a felicidade
é cheia de praça
é cheia de traça
é cheia de lata
é cheia de graça

Menina, a felicidade
é cheia de pano
é cheia de peno
é cheia de sino
é cheia de sono

Menina, a felicidade
é cheia de ano
é cheia de Eno
é cheia de hino
é cheia de ONU

Menina, a felicidade
é cheia de an
é cheia de en
é cheia de in
é cheia de on

Menina a felicidade
é cheia de a
é cheia de e
é cheia de i
é cheia de o

A capa do disco “Estudando o Samba”, com a capa branca e cordas e arame farpado ao fundo, fazia uma referência à ditadura, mas também ao aprisonamento ritmico do samba, e foi responsável pela retomada da carreira artística do cantor. Foi quando David Byrne se impressionou, já na década de 80, com a capa, com a musicalidade e originalidade, e fez com queTom Zé – que estava quase abandonando a carreira para voltar para Irará (interior da Bahia) para trabalhar num posto de gasolina – retomasse sua carreira, com projeção internacional.

Fonte:

https://www.brasildefators.com.br/2021/07/12/o-encontro-com-nossa-identidade-cultural-atraves-do-canto-de-monica-salmaso

“Por una cabeza”… o Tango de Gardel eternizado numa dança no filme “Perfume de Mulher”

“Por una cabeza” é um tango popular composto por Carlos Gardel (música) e Alfredo Le Pera (letra) na cidade de Nova York em 1935.

A versão original foi gravada por Carlos Gardel em 19 de março de 1935 com master número BVE 89227-2 para seu último filme Tango bar. Gardel era um especialista em temas equestres, o que torna esta canção de especial valor entre seus seguidores.

É um dos tangos clássicos de Carlos Gardel. Suas letras remetem às corridas de cavalos e ao fanatismo que se cria em torno dessas competições e suas apostas, além de um paralelo com as relações com as mulheres e com a vida. A expressão “por uma cabeça” é uma expressão usada no jargão equestre do Río de la Plata, onde se diz que os cavalos que vencem corridas por uma pequena margem vencem por uma cabeça, usada como medida de referência.

Mas eta postagem não é para falar apenas da canção… mas sim como ela foi eternizada no cinema. Certamente uma das cenas mais icônicas foi protagonizada por Al Pacino e Gabrielle Anwar, no Filme “Perfume de Mulher”, em 1993.

No filme, Charlie, interpretado por Chris O’Donnel, é um estudante que, para custear sua viagem de fim de ano com a família, vai cuidar de um ex-coronel do exército cego, Frank Slade (interpretado por Al Pacino) no feriado de Ação de Graças.  Durante a viagem, Frank revela ao jovem Charlie seus planos: visitar sua família, comer em bons restaurantes, dormir com uma bela mulher e, depois de tudo, cometer suicídio. O filme acompanha os dois durante o fim de semana, quando situações emocionantes os ensinam sobre os relacionamentos e significados da vida.

Esse filme deu o Oscar de Melhor Ator a Al Pacino.

Num determinado momento do filme, Frank Slade, mesmo sendo cego, convida uma bela jovem chamada Donna (Gabrielle Anwar) para dançar um tango. Assim, ao som pungente de Por una cabeza, Frank e Donna dançam um tango que faz jus a uma ads frases mais conhecidas do filme: “”vive-se uma eternidade num instante”. A cena ficou marcada como uma das mais emocionantes cenas de dança de todos os tempos. 

Uma cena mágica e eterna…

E, voltando à canção, ela acompanha a analogia da corrida com a aposta pelo amor de uma mulher em quem confia, por quem se entusiasma mas que lhe parte o coração. Ambos com o jogo de imagens entre o hipismo e o amor sensual, as letras aludem à certeza de que em ambas as apostas, sempre perderá.

Letras

Por una cabeza, de un noble potrillo
Que justo en la raya, afloja al llegar
Y que al regresar, parece decir
No olvides, hermano
Vos sabes, no hay que jugar

Por una cabeza, metejón de un día
De aquella coqueta y risueña mujer
Que al jurar sonriendo el amor que está mintiendo
Quema en una hoguera
Todo mi querer

Por una cabeza, todas las locuras
Su boca que besa
Borra la tristeza
Calma la amargura

Por una cabeza
Si ella me olvida
Qué importa perderme
Mil veces la vida
Para qué vivir

Cuántos desengaños, por una cabeza
Yo juré mil veces no vuelvo a insistir
Pero si un mirar me hiere al pasar
Su boca de fuego
Otra vez quiero besar

Basta de carreras, se acabo la timba
Un final reñido ya no vuelvo a ver
Pero si algún pingo llega a ser fija el domingo
Yo me juego entero
Qué le voy a hacer

Por una cabeza, todas las locuras
Su boca que besa
Borra la tristeza
Calma la amargura

Por una cabeza
Si ella me olvida
Qué importa perderme
Mil veces la vida
Para qué vivir

Fontes: https://www.radionacional.com.ar/por-una-cabeza-el-tango-que-esconde-la-angustia-de-elegir-2/

https://www.minutoar.com.ar/entretenimiento/2021/10/12/por-una-cabeza-la-verdadera-historia-del-mas-famoso-tango-de-carlos-gardel-35424.html

Por onde andei – Curiosidades por trás da canção de Nando Reis

A canção “Por Onde Andei”, gravada pela primeira vez por Nando Reis ao vivo, em 2004, no álbum MTV ao vivo, é repleta de histórias curiosas e pessoais, como costumam ser as cançoes de Nando Reis.

Na verdade, o histórico de canções de Nando é marcadamente confessional, em que o eu-lírico, em primeira pessoa, reflete aquilo que o cantor sente e vive. E com “Por Onde andei” não é diferente.

A letra tem dois eixos temáticos: um pedido de desculpas, não apenas pelo atraso, mas pelos erros na condução de uma relação que parece chegar ao fim. O eu-lírico reconhece os erros, e em certa medida se reconhece perdido, e, ao mesmo tempo, saudoso… No segundo eixo, o refrão, a partir de uma experiência em que ele foi assaltado, e o eu-lírico se dá conta do quanto efêmera é a vida.

Nando Reis, no seu canal no Youtube, contou algumas coisas interessantes sobre a canção:

Essa música tem uma história engraçada. Ela foi escrita inspirada em um fato real. Eu estava indo visitar minha prima Vange Leonel, que mora em um prédio em São Paulo. Estacionei na rua e fui abordado por dois bandidos armados, que queriam assaltar o carro. Foi uma situação tensa e violenta. Eles entraram, me botaram para fora do carro. Eles não conseguiam sair com o carro, porque era automático. Houve um momento de tensão. Eles ligaram e quando iam partir o outro assaltante abaixou o vidro, apontou a arma pra mim e fez ´bum, bum` com a boca. Ele deu uma risada e foi embora. Naquele instante que eu vi a arma apontada para mim eu pensei que iria morrer.

Esta situação, quando “roubaram seu carro”, deixou a lembrança do quanto a vida é frágil. Daí surgiu a inspiração da segunda estrofe.

No entanto, o episódio do roubo foi o pano de fundo para a situação pessoal em que Nando Reis vivia. Na época, ele estava se separando de Vania, sua esposa (com quem voltaria a se casar dez anos depois).

Quando vi a arma apontada para mim, achei que fosse morrer. Lembro que fiquei assustado e depois aliviado. Cheguei no apartamento e a Vange perguntou o que tinha acontecido. Esse fato está descrito na música. Não é exatamente a chave da canção, porque ela conta uma situação que eu vivia no momento em relação a minha separação. Eu estava recém-separado e procurando um lugar para morar. Essa transição está descrita na música”.

“Eu estava recém-separado e procurando um lugar para morar e foi justamente esta transição que está descrita na música – as roupas penduradas

Interessante que, em diversas entrevistas mais recentes, ele chegou a dizer que todas as composições do seu repertório foram feitas para Vânia: “Todas foram feitas pra ela. Porque mesmo que tenha sido inspirado em outra situação, a matriz do amor eu aprendi com ela. Como eu só canto basicamente sobre amor, tudo tem origem da minha relação com ela e meus filhos. Isso não quer dizer que para as pessoas ouvirem a música elas têm que saber quem são os meus filhos e minha mulher

Mas um fato curioso diz respeito ao verso final com os vocalizes, inspirados na cantora Lauryn Hill.

“Aquela parte no final com o vocalize me inspirei em uma música da Lauryn Hill. É uma música chamada ´Tell Him`, que é linda e tem um dedilhado de violão que sempre me emociona. Nem sei se é o mesmo acorde, mas mentalmente é como se eu procurasse reproduzir aquele impacto emocional e de alguma maneira foi o que eu achei

E uma curiosidade final: Como a música foi gravada somente ao vivo, e não no estúdio, a letra terminou trocada. Em vez de “a morte é a falta da esperança”, ele cantou na gravação “A falta é a morte da esperança“.

Uma curiosidade é que essa música não tem versão em estúdio, só ao vivo. E na ocasião da gravação, cantei um verso errado, e isso acabou definindo a música! Eu cantei errado: ´A falta é a morte da esperança. O verso real era: A morte é a falta da esperança, porque a morte encerra a vida. Eu cantei errado e ele se oficializou! Até hoje, virou o certo. É intrigante e enigmático. Quase não faz sentido. Bom, você pode pensar que a falta da pessoa é a morte da esperança. De alguma maneira, permanece o sentido, mas é mais truncado do que o original! Estava nervoso e nem reparei que tinha errado”.