103 Músicas do Carnaval da Bahia de Todos os tempos

Toda lista é polêmica. Toda lista contém injustiças e imperfeições. Toda lista contém a marca e o olhar de quem a elabora. Mas não resisti. Estava fazendo uma retrospectiva musical do carnaval da Bahia e caí na tentação (segundo Oscar Wilde, a única maneira de acabar com a tentação é cedendo a ela) de fazer uma lista das músicas baianas de carnaval.

A lista pode ser coné composta por músicas de trio elétrico. Músicas para se tocar na rua, em cima de um caminhão, com tudo acontecendo, no Campo Grande, no Farol da Barra, na Praça Castro Alves, em Ondina, na Avenida Sete, na subida do Cristo, na Casa D’Itália. Roteiros misturados de uma festa de rua.

Seria pretensioso dizer que é uma lista das mais relevantes músicas de carnaval de todos os tempos. O certo é que o recorte histórico parte de 1950, quando o bloco pernambucano Vassourinhas passou pelas ruas de Salvador e inspirou a dupla Dodô e Osmar a tocar tais frevos nas ruas com seus “paus elétricos”, no carnaval de 1951. E quando o “Passo-Double” de Dodô e Osmar, dos anos 50, transformou-se em “Pombo Correio” na voz de Moraes Moreira.

Temos frevos oriundos da dupla Dôdo & Osmar, passando por canções de Caetano Veloso, Moraes Moreira (o primeiro cantor de trio), Armandinho, retratando as diversas fases da chamada “Axé-Músic” em todas as suas variantes: samba-reggae, fricote, deboche, merengue, lambada, samba, até as mais recentes manifestações musicais do carnaval, o novo pagode baiano, as canções “arrochadas” e a inclassificável Baiana System.

Obviamente, a maior parte das canções se concentram nas duas últimas décadas do Século XX e a primeira década do Século XXI e não é por acaso: foi nos anos 80 e, sobretudo, nos anos 90 do Século passado, que a música baiana adquiriu um protagonismo nacional em matéria de música. Claro, a Bahia sempre foi protagonista em termos de música. Caymmi, Assis Valente, João Gilberto, Gil, Caetano, Gal, Bethânia, Novos Baianos, Moraes Moreira. Mas aqui estamos falando de um tipo de protagonismo diferente. Em que há um estilo musical escancaradamente alegre, para dançar. Os trios elétricos se espalharam pelo Brasil em centenas de micaretas, e a festa de rua se espalhou

Então, na busca de um critério (que nunca é objetivo), fui buscar não só os maiores sucessos de cada época, mas também aquelas músicas que permaneceram na memória afetiva de tanta gente. Conversando com pessoas, algumas delas colocavam como indispenáveis músicas que eu certamente deixaria de fora da lista. Mas a lista de 100 virou 103. Achei injusto excluir algumas musicas na lista. embora algumas outras certamente poderiam estar aqui.

Vai se buscar uma ordem (aproximadamente) cronológica. Cada música mereceria um comentário à parte, mas para não deixar a postagem muito longa, segue a lista com nome da canção, ano (que pode ser o de lançamanto ou quando tocou no carnaval), seus compositores, intérpretes, e um trecho da canção.

Elaborei uma playlist com as canções. Infelizmente, nas plataformas de streaming, duas delas não foram encontradas. E algumas outras não estão disponíveis nas versões originais. mas vale escutar

  1. Pombo Correio  (1952/1975) – Música de Dodô e Osmar em 1952. Letra de Moraes em 1975 Dodô, Osmar e Moraes Moreira – Moraes Moreira  “Pombo Correio, Voa depressa, e esta carta leva para o meu amor
  2. Atrás do Trio Eletrico (1969) Caetano Veloso – Caetano Veloso “Atrás do Trio Elétrico só não vai quem já morreu
  3. Frevo Novo (1973) Caetano Veloso – Caetano Veloso “A Praça Castro Alves é do povo, como o céu é do avião” 
  4. A Filha da Chiquita Bacana  (1977) Caetano Veloso – Caetano Veloso “Eu sou a filha da Chiquita Bacana, nunca entro em cana porque sou família demais”  
  5. Chão Da Praça (1979) Moraes Moreira/Fausto Nilo – Moraes Moreira, Armandinho e Trio Elétrico Dodô e Osmar  “Olhos negros, cruéis, tentadores, das multidões sem cantor
  6. Bloco do Prazer (1979) Moraes Moreira/Fausto Nilo – Moraes Moreira, Armandinho e Trio Elétrico Dodô e Osmar  “Vem meu amor feito louca que a vida está pouca e eu quero muito mais
  7. Eu sou o Carnaval  (1979) Moraes Moreira/Anônio Risério – Moraes Moreira, Armandinho e Trio Elétrico Dodô e Osmar  “Eu sou o carnaval em cada esquina do seu coração” 
  8.  Assim Pintou Mocambique  (1979) Moraes Moreira/Anônio Risério  – Moraes Moreira   “Assim pintou Moçambique, nesse tique nesse taque, nesse toque, nesse pique
  9. Vassourinha Elétrica (1980) Moraes Moreira – Moraes Moreira, Armandinho e Trio Elétrico Dodô e Osmar    “Varre Varre Varre Vassourinhas, varreu um dia as ruas da Bahia
  10. Vida Boa (1983) Armandinho/Fausto Nilo – Armandinho e Trio Elétrico Dodô e Osmar -“Tá na luz que passa pelo ar, passa também pelo seu olhar
  11. Cometa Mambembe  (1983) Carlos Pitta/Edmundo Caruso – Carlos Moura  “Quando a estrela brilhar na cabeleira e o galope acordar na beira-mar” 
  12. O Beijo (1983) Luiz Caldas/João Batera – Luiz Caldas e Acordes Verdes “Acordes Verdes Leva o povo atrás do trio Essa dança lance lança E o beijo há mais de mil”  
  13. Chame Gente (1985) Armandinho/Moraes Moreira – Moraes Moreira, Caetano Veloso, André Macedo  “É um verdadeiro enxame chame chame gente E a gente se completa Enchendo de alegría  A praça e o poeta
  14. Magia  (1985) Luiz Caldas – Luiz Caldas  “Magia, Mente de marfim, pele de cetim
  15. Fricote  (1985) Luiz Caldas  Luiz Caldas   “Pega ela aí, pra que? Pra passar batom, Que cor?
  16.  É D’Oxum (1985) Gerônimo/Vevé Calasans – Gerônimo  “Nessa cidade todo mundo é D’Oxum”  
  17. Macuxi Muita Onda (1985) Gerônimo – Gerônimo “Eu sou negão, Eu sou negão, meu coração é a liberdade” 
  18. Tiete do Chiclete (1985) Missinho – Chiclete com Banana  “Maluquete, de quem você é tiete? Eu sou, sou tiete do Chiclete
  19. Sabor de Pecado (1986) Hercules Amorim – Banda Papaléguas (Zé Honório)  “Me dá um beijo lambuzado, amor, assim, com gosto de pecado” 
  20. Merengue do Flerte (1986) Carlos Neto – Carlos Neto  “Foi só te ver, e o dia Clareou ioiô”  
  21. Tema do Cheiro de Amor (1986) Heládio/Jorge Nunes Banda – Cheiro de Amor “Sim, é um jardim mui delirante, com mil e um lances de brilho e de cor” 
  22. Frenesi (1986) Ricardo Chaves/Ademar Ricardo – Chaves, Ademar e Banda Furta-Cor   “Frenesi balançando a massa, haja folia no trio”  
  23. Crença e Fé (1991) – Beto Jamaica/Ademario – Banda Mel – “Vou dar a volta no mundo eu vou, vou ver o mundo girar
  24. Madagascar Olodum (1987) Rey Zulu  Banda Reflexu’s “Madagascar, ilha, ilha do amor” 
  25.   Gritos de Guerra (1986) Bell Marques/Vadinho Chiclete com Banana  “A esperança é uma flecha de fogo/Que faz arder no meu coração/Eu canto e grito de novo/Paz nesse mundo e união”  
  26.  A Roda (1987) Sarajane / Robson de Jesus / Alfredo Moura Sarajane “Vamos abrir a roda, Enlarguecer, Tá ficando apertadinha, por favor, Abre a rodinha, por favor
  27.  Faraó: Divindade do Egito (1987) Luciano Gomes – Olodum; Banda Mel  “Eu falei Faraó ó ó… ê faraó
  28. Haja amor (1987) Luiz Caldas/Chocolate da Bahia – Luiz Caldas “Eu queria ser uma abelha pra pousar na tua flor”    
  29. Eva (1988) Umberto Tozzi e Giancarlo Bigazzi. Versão – Marcos Fiorelli – Ricardo Chaves;  Banda Eva “Meu amor, olha só hoje o sol não apareceu” 
  30. Protesto Olodum (1988) Tatau – Olodum; Banda Mel  “Força e pudor, liberdade ao povo do Pelô, Mãe que é mãe no parto sente dor, e lá vou eu…
  31. Olodum, a Banda do Pelô (1988) Jaguaracy/Esseerre – Olodum; Banda Mel  “A banda do Pelô, arrasou no carnaval
  32. Dois neguinhos (1988) Celso Bahia/Carlão – Celso Bahia “Tem, tem, tem, tem dois neguinhos” 
  33. Beijo na Boca (1989) George Dias/João Guimaraes – Banda Beijo (Netinho) “Foi sem querer que eu beijei a sua boca, menina tão louca, eu quero te beijar
  34. Pot-Pourri Gererê/Cesta de Ovos/Tou melado (1989) Valfredo Reluzente/Adal – Gera Samba; É o Tchan “Uma cesta de ovos, 700 galinhas” 
  35. Céu da Boca  (1989) Ronaldo Marcell – Frutos Tropicais; Ivete Sangalo  “Eu vou enfiar uva no céu da sua boca, e aí, chupa toda” 
  36. A força do Ilê (1989) Paulinho Laranjeira – Ilê Ayê “Que brilho é esse, negro, me diz que é o da paz” 
  37. Eu vou no Eva (1989) Ricardo Chaves/Durval Lelys – Ricardo Chaves “Foi difícil te encontrar, morena, nas ruas de Salvadro, fissura” 
  38. Dá Licença  (1989) Buk Jones – Gente Brasileira “Bate pandeiro, cala tristeza, abre um sorriso, plante uma canção” 
  39. Pra Acabar com a solidão (1989) Carlos Neto – Cheiro de Amor  “Essa é pra acabar com a solidão, pra tocar no rádio do seu coração” 
  40. Prefixo de Verão  (1990) Beto Silva – Banda Mel “Quando você chegar, numa nova estação, te espero no verão” 
  41. Baianidade Nagô (1991) Evandro Rodrigues – Banda Mel  “Eu vou Atrás do trio elétrico vou, Dançar ao negro toque do agogô, Curtindo a minha baianidade nagô
  42. We are The world of Carnaval (1991) Nizan Guanaes – Vários artistas  “Ah, que bom você chegou, bem-vindo a Salvador, Coração do Brasil” 
  43. Swing da Cor  (1991) Luciano Gomes  – Daniela Mercury  “Não não me abandone, não me desespere, porque eu não posso ficar sem você
  44. Jeito Faceiro (1991) Jau/Pierre Onassis – Olodum “O mar, um abrigo que lá está, no ser a felicidade
  45. Me sinto só (1991) Valdir Carvalho – Banda Papaléguas  “Só me sinto só, estou sentindo a falta do teu calor” 
  46. Canto ao pescador (1991) Jau/Pierre Onassis – Cheiro de Amor; Olodum – “Jogou sua rede, ó pescador” 
  47. Doce Obsessão (1992) Cabral/Carlinhos Dias – Cheiro de Amor  “Eu quero te beijar, Te abraçar, Preciso desse amor
  48. Nossa Gente (Avisa lá)  (1992) Roque Carvalho – Olodum “Avisa lá que eu vou chegar mais tarde” 
  49. O canto da cidade (1992) Tote Gira/Daniela Mercury – Daniela Mercury  “A cor dessa cidade sou eu, o canto dessa cidade é meu
  50. Estrela Primeira (1992) Jau/Pierre Onassis – Banda Beijo (Netinho) “To na varanda, amor, me pega nos braços me leva pra cama que eu vou” 
  51. Vem meu amor (1992)  Silvio/Guio – Olodum   “Vem, meu amor, me tirar da solidão
  52. O Bicho (1993) Ricardo Chaves – Ricardo Chaves “É o bicho é o bicho Vou te devorar Crocodilo eu sou”  
  53. Rosa (1993) Pierre Onassis – Olodum “Ah se não me desse seu calor, o que seria de mim” 
  54. Menina me dá seu amor (1994) Bell Marques/Vadinho – Chiclete com Banana  “Daqui do alto eu te vejo, eu te vejo” 
  55. Requebra (1994) Pierre Onassis/Nego – Olodum “Requebra sim, pode falar, pode rir de mim” 
  56. Dia dos Namorados  (1994) Durval Lelys/Tonho Matéria – Asa de Águia  “”Todo dia no mar do Farol, vejo você num banho de sol
  57. Araketu bom demais (1994) Dinha – Araketu “Não dá pra esconder, o que sinto por você Ara” 
  58. Foi por esse amor 1995 Bell Marques Chiclete com Banana  “Foi por esse amor, Teu corpo é tudo que brilha, é a única ilha no oceano do meu desejo
  59. Se você se for (1995) Armandinho/Edney/Zinho – Timbalada  “Não vá, não me deixe nessa solidão”   
  60. Tiete Vips chegou (1995) Cid Guerreiro – Tiete Vips “Tiete vips chegou, êa êa ô” 
  61. Desejo de Amar (1995) Alex André Lelis “Na primeira vez que eu te vi”  
  62. Margarida Perfumada (1996) Carlinhos Brown/Cícero Menezes Timbalada  “Encontrei Margarida perfumada, como dava risada
  63. É o Tchan  (1996) Cicinho Dantas/Bieco – É o Tchan “Segure o Tchan, amarre o tchan, segure o tchan, tchan tchan tchan tchan tchan
  64. Mimar Você (1996) Alain Tavares/Gilson Babilônia – Timbalada  “Eu te quero só pra mim, você mora em meu coração
  65. Milla (1994-1996) Manno Goes – Jheremmias/Netinho “Ô Milla, mil e uma noites de amor com você” 
  66. Beleza Rara (1997) Ed Grandão/Nego John – Banda Eva (Ivete Sangalo) “Hoje sou feliz e canto, só por causa de você” 
  67. Rapunzel (1997) Carlinhos Brown/Alain Tavares – Daniela Mercury  “Love as suas transas de mel, Rá-Punzel, Rá-punzel” 
  68. Água Mineral  (1997) Carlinhos Brown – Timbalada  “Bebeu água? Tá com sede? Olha Olha Olha a água mineral
  69. Minha História (1997) Xexéu/Luizinhoi SP – Timbalada  “A minha história de amor começou, era carnaval, era Salvador” 
  70. Maria Joaquina (1997) Osmarinho e Jorge Moreno – Pimenta N’Ativa “Maria Joaquina de Amaral Pereira Góes, você ‘contriboe’ para o meu viver
  71. Pipoca (1998) Alain Tavares/Gilberto Timbaleiro – Araketu ”O Araketu o Araketu quando toca, deixa todo mundo pulando que nem pipoca
  72. Liberar Geral (1998) Edybinho/Reinaldo Nascimento – Terra Samba “Nada Mal, curtir o terra Samba não é nada mal” 
  73. Dança do Vampiro (1999) Durval Lelys – Asa de Águia  “Levante a mão, entre no clima, batendo palma, na levada do axé” 
  74. Trio Metal (1999) Daniela Mercury/Alfredo Moura/Marcelo Porciúncula/Renan Ribeiro – Daniela Mercury  “Quero ver ô, som do trio elétrico de Osmar e de Dodô
  75. Desafio (2000) Duller/Tonho Copque/Fabio Alcântara/Xanddy – Harmonia do Samba “Se você aceitar o desafio, eu vou cantar um samba pra você dançar
  76. Cabelo Raspadinho (2000) Edu CasaNova/Tenison Delrey – Chiclete com Banana  “Cabelo raspadinho, estilo Ronaldinho, cabelo pintado ou V.O.” 
  77. Bomba (2001) Fabio Zambrana Marchetti. Versão Jorge Zarath – Bragaboys “O movimento é sensual (sensual)
  78. Xibom Bombom (2001) W. Rangel / Rogério Gaspar  – As Meninas “Bom xibom xi bom bom bom”   
  79. Bate lata (2001) Gal Sales/Ivan Brasil/Fábio Nolasco) – Banda Beijo (Gilmelândia) ” Quer aprender, pegue uma latinha e bate uma na outra
  80. Diga que Valeu (2002) Fredson – Chiclete com Banana  “Então diga que valeu, o nosso amor valeu demais” 
  81. Festa (2002) Anderson Cunha – Ivete Sangalo  “E vai rolar a festa, vai rolar, o povo do Gueto mandou avisar
  82. Sorte Grande (2003) Lourenço – Ivete Sangalo  “Poeira, poeira, poeira, Levantou poeira
  83. Voa Voa (2003) Beto Garrido/ Alexandre Peixe – Chiclete com Banana  “Voa Voa Vem direto pros meus braços Quero ter os seus amassos Vem voando pra me ver
  84. Praieiro (2003) Manno Goes – Jammil e uma Noites “”Sou praieiro, Sou guerreiro, To solteiro, Quero mais o quê?
  85. Dandalunda (2003) Carlinhos Brown – Margareth Menezes “Dandalunda, maimbanda, coquê
  86. Maimbê Dandá (2004)  Carlinhos Brown/Mateus – Daniela Mercury  “Vou cantar Maimbê, Pra você se acabar, Maimbê, Maimbê, Dandá”  
  87. 100% você (2005) Beto Garrido/Alexandre Peixe – Chiclete com Banana  “Não dá  pra ficar sem te ver, sou 100% você
  88. Café com Pão (2006) Jau – Afrodisíaco (Jau/Pierre Onassis)  “Vixe mainha, ó neguinha tudo é tão bom”  
  89. Quebra aê (2007) Durval Lelys Asa de Águia  “Quebra aê, Quebra aê olha o Asa aê
  90. Cidade Elétrica (2008) Manno Goes/Jorge Zarath – Claudia Leitte/Daniela Mercury “Cidade elétrica, Nova, antiga Ginga, toca, liga, liga, liga
  91. Cadê Dalila (2009) Carlinhos Brown/Alain Tavares – Ivete Sangalo  “Vai buscar Dalila, ligeiro
  92. Rebolation (2010) Leo Santana e Nenel – Parangolé (Leo Santana) “Rebolation é bom
  93. Liga da Justiça (2011) J.Teles – Leva Noiz “Foge, Foge Mulher Maravilha, Foge, foge com Superman
  94. Parará (2011) Diego Nascimento/Tomate – Tomate “Parará Pará papá
  95. Inventando Moda (2012) Magary Lord, Fábio Alcântara e Kalinde Mayara – Magary Lord  “Colar de negão, luva na mão do jeito Michael Jackson Estranho, hein
  96. Circulou 2012 Magary Lord/ Fábio Alcântara/Leonardo Reis) – Banda Eva (Saulo Fernandes) “Circulou Circulou Circulou É Tão Maravilhoso O Nosso Amor
  97. Raiz de todo bem (2013) Saulo Fernandes – Saulo Fernandes “Salvador, Bahia, território africano Baiano sou eu, é você, somos nós uma voz, um tambor
  98. Lepo Lepo (2013)  Filipe Escandurras/Magno Santana – Psirico (Márcio Vitor)  “Eu não tenho carro, não tenho teto” 
  99. Largadinho (2013) Duller/Fabinho Alcantara/ Samir – Claudia Leitte “Se você quiser pode dançar Largadinho, Largadinho, Largadinho
  100. Forasteiro (2016) Roberto Barreto/Mahal Pita – BaianaSystem  – instrumental 
  101. Santinha (2017) Léo Santana e Rafinha Queiróz Leo Santana  “A santinha perdeu o juízo tomou uma e já ficou louca
  102. Várias Queixas (2012/2020)  Narcizinho Santos/Afro Jhow/Germano Meneghel – Olodum;Gilsons “Várias queixas de você, por que fez isso comigo” 
  103. Zona de Perigo (2023) Adriel Max/Fella Brown/Lukinhas Pierrot Junior / Rafa Chagas / Yvees Santana Leo Santana  “É sensacional o jeito que ela faz comigo, É fora do normal, eu tô na zona de perigo

Que seja uma lista sempre em construção…

A Massa – o grande sucesso do festival MPB80 Raimundo Sodré em parceria com Jorge Portugal

O ano: 1980. A Rede Globo resolve reeditar os festivais da canção, com o denominado MPB 80. Um cantor baiano contagia o público com sua canção, e fica classificado em terceiro lugar. A composição até hoje ecoa… Raimundo Sodré, cantando a sua música, feita em parceria com Jorge Portugal. Seu nome: A MASSA. 

Quando se ouve a introdução, universal e regional, com samba-de-roda e de chula, já se percebe tratar-se de uma canção diferenciada.

A massa é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto, a nossa dor é a dor do menino acanhado, do menino bezerro que vira massa no curral do mundo. A mão que amassa a comida, também molda e amassa “a massa dos homens normais”. 

A canção tem uma série de interpretações, desde a crítica social dos meninos marcados que amassama a mandioca em casas de farinha, bem como a desindividualização do homem, que como jerimum amassado, é colocado como parte de uma massa, massa de meninos…

Essa dor se revela num gemido calado, que salta aos olhos, mas parece não haver alternativa a viver nesse moinho de homens, que amassam e são amassados, e a massa amassada é mansa (reparem na aliteração da massa que amassa e mansa é amassada), e que, quando se lembra da massa da mandioca, o que acontece???   

Raimundo Sodré, numa entrevista ao site http://aqueimaroupa.com.br, disse, sobre a canção e sua apresentação no maracanãzinho, em 1980: : 

– Ver aquele mundo de gente cantando A Massa foi muito especial pra mim, lá na frente meu pai pulando e cantando, segurando as bolsas de todo mundo e vibrando comigo! Ficamos em terceiro lugar, atrás de Oswaldo Montenegro e Amelinha. A música já era um verdadeiro sucesso, tocava em todas as rádios do país”, pontua Sodré.

Sobre a inspiração que o levou a compor a música “A Massa”, Raimundo Sodré conta que estava assistindo a um telejornal, ao lado da sua então esposa, a francesa Danielle, e viu uma notícia sobre determinada reivindicação da classe média e uma outra sobre a mandioca, quando deu o “estalo”:

No noticiário em questão, foi exibida uma matéria segundo a qual a classe média brasileira já estava reclamando muito. “E eu disse: ‘Imagine o pessoal da mandioca!’, o pessoal que planta mandioca, porque passa, que não tem nem direito de chorar. Aí, então, nasceu isso: ‘Quando eu lembro da massa da mandioca, mãe/Da massa’. Fiquei com esse refrão desde 1976, até 1977. Foi quando Portugal colocou a letra”, recordou.

– Fui dormir, quando acordei no outro dia, já estava com o refrão da música na minha cabeça, ‘quando eu lembro da massa da mandioca mãe, a massa…’ (cantarola). Ainda falei com minha mulher, imagine o Maracanãzinho cantando essa música… Dito e certo, previ o sucesso! Mas, antes, gravei a música, em 1976, e levei pra Jorge Portugal fazer a letra, aí ele fez e quando eu ouvi, me emocionei demais. Essa música foi coisa de Deus, porque quando peguei o violão para fazer os acordes, eles casavam perfeitamente com o refrão, acho que Deus colocou no meu ouvido… mas, minha maior tristeza é saber que minha mãe não acompanhou o sucesso da Massa, uma pena! – revela o artista.

Ao começar a escrever A massa, Jorge Portugal relatou que se dirigiu à escrivaninha por volta das 11 h e, em pouco mais de dez minutos, já tinha feito a letra. Sodré, quando recebeu o telefonema de Jorge Portugal, se emocionou: “Quando eu peguei a letra, rapaz, eu chorei. Juro que as lágrimas vieram”.

E o que acontece quando a gente lembra da massa da mandioca?? Fazendo referências em inglês e francês, a “massa” pode ser lembrada como uma referência à maconha, quando fala que “nunca mais me fizeram aquela presença“, em que “massa” e “presença” eram gírias referentes ao consumo…

Mas ele deixa claro que a massa que fala “é a que passa fome“, para, em seguida, fazer referências a sambas-de-roda e chulas do Recôncavo Baiano.

Em 23 de agosto de 1980, veio a consagração. Final do festival MPB 80, promovido pela Rede Globo, no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Cenário lotado, uma apresentação que deixou o público de pé, como se pode ver no vídeo. Raymundo Sodré, de macacão branco e sem camisa, de chapéu e seu violão, fez uma apresentação inesquecível. Ficou em terceiro lugar, atrás de Foi Deus quem Fez Você, de Luiz Ramalho, interpretado por Amellinha, e a campeã foi Agonia, de Mongol, na voz de Oswaldo Montenegro.

A dor da gente é dor de menino acanhado
Menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar
Que salta aos olhos igual a um gemido calado
A sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar

Moinho de homens que nem jerimuns amassados
Mansos meninos domados, massa de medos iguais
Amassando a massa a mão que amassa a comida
Esculpe, modela e castiga a massa dos homens normais

Quando eu lembro da massa da mandioca mãe, da massa
When I remember of “massa” of manioc
Nunca mais me fizeram aquela presença, mãe
Da massa que planta a mandioca, mãe

A massa que eu falo é a que passa fome, mãe
A massa que planta a mandioca, mãe
Quand je rappele de la masse du manioc, mére
Quando eu lembro da massa da mandioca

Lelé meu amor lelé no cabo da minha enxada não conheço “coroné”
Eu quero mas não quero (camarão).
Minha mulher na função (camarão)
Que está livre de um abraço,
mas não está de um beliscão

Torno a repetir meu amor: ai, ai, ai!
É que o guarda civil não quer a roupa no quarador
Meu Deus onde vai parar, parar essa massa
Meu Deus onde vai rolar, rolar essa massa

No canal de Danilo Ribeiro no Youtube, Jorge Portugal contou de onde veio a inspiração da letra:

A dor da gente é dor de menino acanhado

“É aquela dor que nunca se expressa. Um menino acanhado é um menino tímido, um menino que está oprimido. Todos nós estávamos sob o regime militar, a ditadura militar.”

Menino-bezerro pisado no curral do mundo a penar/Que salta aos olhos igual a um gemido calado

“Aquele gemido do menino acanhado, que não expressa”, e que salta aos olhos da sociedade.

A sombra do mal-assombrado é a dor de nem poder chorar

“Mal-assombrado era a ditadura.”

Moinho de homens que nem jerimuns amassados/Mansos meninos domados, massa de medos iguais

Nessa parte, Portugal descreveu, em algumas frases, a opressão recorrente na ditadura.

Amassando a massa a mão que amassa a comida

“Que distribui a comida, a sobrevivência.”

Esculpe, modela e castiga a massa dos homens normais

“São aqueles que não se rebelam, aqueles que não questionam, aqueles que estão em estado de letargia, de alienação, e que, portanto, são manobrados por aqueles que, na verdade, amassam a massa e têm toda a riqueza em suas mãos.”

Quando eu lembro da massa da mandioca, mãe/Da massa… (refrão)

A partir do “Lelé, meu amor, Lelé/No cabo da minha enxada/Não conheço o coroné”, é um pot-pourri dos sambas e chulas.

Fonte: http://aqueimaroupa.com.br/2010/07/25/sodre-o-cantador-das-dores-e-amores-da-massa/

https://hugogoncalvesjor.blogspot.com/2020/07/raimundo-sodre-e-jorge-portugal-contam.html

Quando lembro da massa da mandioca, mãe…

Meu coração é a liberdade… Gerônimo e a canção “Eu sou Negão” (Macuxi Muita Onda)

O verão de 1984/85 mudou a história da música brasileira. Foi quando surgiu aquilo que se chamava, na época, de fricote, de deboche, de ti-ti-ti, e que na década seguinte passou a se chamar de axé. 

Mas a consolidação veio em 1986. A Banda Mel soltava seu “Faraó”, e quase que por acaso, Gerônimo acabou fazendo ecoar um grito, que desde a década de 70 o Ilê Aiyê já soltava como bloco afro no carnaval da Bahia: “Eu sou negão”. 

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A música surgiu de um improviso de Gerônimo, na barraca de Juvená em Itapuã, para os congressistas da convenção de uma gravadora que acontecia em Salvador. Na hora da apresentação, Gerônimo improvisou e criou uma cena-dialógo entre o cantor de trio elétrico e o cantor de um bloco afro no Carnaval da Bahia, que faz referência à presença dos negros na Bahia. Sobretudo no carnaval da Bahia, e vem a sua picardia….

O eu-lírico é um cantor de bloco afro em cima de um carro de som… O Ilê Aiyê é uma evidente inspiração.

E o recado é bem dado na parte conversada da canção: 

“E aí chegaram os negros com toda sua beleza, com toda sua cultura, com sua tradição, com toda sua religião, tentada, motivada a ser mutilada pelos heróis brancos da história, e estamos aqui, eles sobreviveram”.

E a partir daí há o conflito sugerido entre as duas grandes forças do carnaval da Bahia: os blocos afro e o trio elétrico (vale lembrar que na década de 80 havia uma queixa dos blocos afro que diziam ter os piores horários para desfilar se comparados com os blocos de trio, questão que remonta ao século XIX…). 

Aparece na música o trio elétrico, com sua música que invade e ocupa todo o espaço… e aí vem o diálogo, em que há o contraste do discurso meio óbvio do cantor do trio e a resposta de afirmação do cantor do bloco afro… e vem daquelas frases típicas… “é nenhuma, rapaz, aqui é boca de zero-nove!” 

“No bum bum bum do seu tambor, e o negão vai cantando assim, pega a Rua Chile desce a ladeira, tá na praça Castro Alves, fazendo seu deboche, transando o corpo, e o negão assume o microfone e na beirada da multidão em cima do caminhão ele fala:

“- Alô rapaziada do bloco esse é o nosso bloco afro vamos curtir agora o nosso som, a nossa levada que é a nossa cultura e segura comigo, eu sou negão, eu sou negão meu coração é a Liberdade/ sou do Curuzu, Ilê, igualdade nagô essa é a minha verdade”.

E de repente aparece ao longe um carro todo iluminado é um trio elétrico.

“-Que é isso meu irmão? Venha devagar, calma, segura essa ai”.

E o cara do trio lá de cima olha:

“-Legal massa, pessoal do bloco afro é uma beleza estar aqui com vocês, vamos levar o som”

E o negão lá de baixo falando. “-Qual é meu irmão, é nenhuma rapaz, aqui é boca de zero nove, é o suíngue da gente, vá, pegue seu caminhão e siga seu caminho que a gente vai seguindo o nosso, e na levada, eu sou negão, meu coração é a Liberdade, eu sou negão, eu sou negão”

A baianidade da música é manifesta e evidente. E o refrão: “Eu sou negão, meu coração, é a liberdade”, de uma simplicidade e de uma beleza, cantado pelo branco, preto e mulato Gerônimo, viria a ser um eco de assunção da Bahia como negra. “Igualdade na cor – essa é a nossa verdade”…

O radialista Baby Santiago, diretor artístico da rádio Itaparica FM, havia gravado o improviso de Gerônimo com pouco mais de 6 minutos de duração.Baby Santiago”executou com exclusividade essa fita na rádio, o que a fez passar, em questão de duas horas, do quinto para o segundo lugar na audiência local, criando uma situação inusitada, na qual os ouvintes ligavam e  manifestavam o desejo de ouvir a composição, enquanto os demais radialistas, surpresos, queriam obter cópia da gravação”.

E de repente a maioria dos baianos, sobretudo aqueles do Recôncavo, viram em si mesmo e na sua terra uma negritude que ultrapassa a cor da pela. A negritude da cultura que perpassa cada esquina da Bahia, na música, na culinária, na linguagem, no carnaval, e os blocos afro são o símbolo dessa manifestação.

A música foi o maior sucesso e virou tema de dissertações e teses. Em depoimento a Marcos Joel de Melo Santos, Gerônimo disse:

E eu quase preto e quase branco, eu senti essa discriminação, talvez com desprezo. Eu estava num momento em que eu não significava nada, para totalmente nada, eu não era nada. Eu não era nem um rádio ligado, eu tava tocando pra a parede, foi então que aí me veio a inspiração, num improviso, e aí eu gritei: – “Eu sou negão!”

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O refrão de Gerônimo mudou a forma de se compreender a expressão “negão”. De pejorativa a orgulhosa, passou a definoir a identidade do negro baiano. E não apenas do negro. 

E o resto é história… 

Fontes: 

http://www.overmundo.com.br/overblog/macuxi-muita-onda-eu-sou-negao

http://tempomusica.blogspot.com.br/2008/12/1980-1989.html

 http://livros01.livrosgratis.com.br/cp133192.pdf

quarta 26 novembro 2014 19:18 , em Musica Baiana

“Aquele preto que você gosta” – A amizade de Caetano e Gil e o Axé Music

A amizade entre Caetano e Gil é algo raro na Música Brasileira. Amizade de mais de 50 anos, de duas grandes referências da música brasileira. História recheada de episódios marcantes, como o Movimento Tropicalista, a prisão em comum, o fato de terem casado com irmãs (Dedé e Sandra Gadelha), o exílio em Londres, enfim: trata-se de uma história de admiração recíproca.

Um dos  episódios mais interessantes ocorreu quando Caetano e Gil ainda não tinham uma relação próxima de amizade, no começo da Década de 60.

DOCUMENTÁRIO SOBRE A PRISÃO DE CAETANO VELOSO LEMBRA UM INFERNO PELO QUAL  EU PASSEI 4 MESES DEPOIS - Jus.com.br | Jus Navigandi

Na ocasião, segundo Caetano revela em seu livro Verdade Tropical (Cia das Letras, 1997, p. 283)

Por volta de 62, 63, vi na TV Itapoan (a televisão só chegara a Salvador em 60) um rapaz preto que cantava e tocava violão como os melhores bossanovistas. Sua musicalidade exuberante, sua afinação, seu ritmo e sua fluência me entusiasmaram. Era excitante que pudesse haver por perto alguém tão especial. A TV dava a ilusão de distância, mas eu pensava, com o coração batendo, que, dado o tamanho da cidade – e, sobretudo, do grupo de pessoas da classe artística ou mesmo da classe média -, era provável que eu encontrasse em Salvador esse genial músico de sorriso alegre e sobrancelhas bem desenhadas. Minha mãe, que sempre gostou de música – e sempre gostou que eu gostasse de música -, me ouviu elogiá-lo, e, toda vez que ele aparecia na televisão, me chamava para vê-lo.

Em seguida o mote que virou canção:

“Lembro com muito gosto o modo como ela se referia a ele. Pelo menos ela o fez uma vez e isso ficou marcado muito fundo, dizendo: ‘Caetano, venha ver o preto que você gosta’. Isso de dizer o preto, sorrindo ternamente como ela o fazia, o fez, tinha, teve, tem, um sabor esquisito, que intensificava o encanto da arte e da personalidade do moço no vídeo. Era como isso se somasse àquilo que eu via e ouvia, uma outra graça, ou como se a confirmação da realidade daquela pessoa, dando-se assim na forma de uma bênção, adensasse sua beleza.

73 curtidas, 3 comentários - Danilo Rodrigues Dutra (@danilinho) no  Instagram: “Caetano e Dona Canô ❤ #ArquivosDaUns” | Music history, Back in  the day, Music

Eu sentia a alegria por Gil existir, por ele ser preto, por ele ser ele, e por minha mãe saudar tudo isso de forma tão direta e tão transcendente. Era evidentemente um grande acontecimento a aparição dessa pessoa, e minha mãe festejava comigo a descoberta.” –

O Livro “Verdade Tropical” foi editado em 1997.  Antes mesmo disso, a história já era conhecida.

À Primeira Vista - Lyrics and Music by Daniela Mercury arranged by Smule

Neguinho do Samba, o grande maestro do olodum, transformou este episódio num samba de roda, ou se quiserem, numa Axé Music, que foi gravado por Daniela Mercury no disco “Feijão de Corda”, em 1996.

Neguino de SambaNeguinho do samba

O episódio em que Dona Canô, de forma tão natural e direta, chama Caetano para ver na TV “o preto de você gosta” termina por ser um prelúdio de uma história que mudou a música brasileira.

O carnaval da Bahia num jornal do Paraná em 1987

 

Em março de 1987, o crítico musical paranaense Aramis Millarch fez uma interessante crônica sobre o carnaval da Bahia e o recém-lançado álbum “Aí eu liguei o rádio“, do Trio Elétrico de Armandinho e Dodô e Osmar, publicado no jornal Estado do Paraná. É um belo artigo, que posto aqui em homenagem ao cronista, precocemente falecido em 1992.

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O Texto faz refletir sobre os carnavais de rua da Bahia há 30 anos, e o que mudou no carnaval de hoje…

Atrás do Trio Elétrico, só não vai quem já morreu…

A música carnavalesca tradicional pode ter desaparecido em termos de novas produções (embora os clássicos continuem a ser os mais cantados nos salões), o samba-de-enredo transformou-se num gênero de alta rentabilidade, algumas gravações de artistas famosos (ou não) conseguem ultrapassar o sucesso temporário e serem cantados nos carnavais.

Mortalha do Pinel Carnaval 1987

E ao lado de tudo isto, no verão de cada ano, especialmente com a força e vibração nordestina, surgem grupos, conjunto e intérpretes que caem no agrado popular. Veja-se o caso do baiano Luís Caldas, que com seu “Fricote” vendeu no ano passado mais de 100 mil cópias sem deixar Salvador. Salvador, que se orgulha de ter o mais animado Carnaval do Brasil – e que conforme as imagens da televisão mostram, estende-se não só até quarta-feira de cinzas, mas até o próximo domingo (como o de Olinda e Recife, onde o frevo come solto), exportou o Trio Elétrico, inventado há quase quatro décadas por Dodô e Osmar, para vários outros Estados – com adaptações de acordo com a imaginação de cada um.

Fonograficamente, o Trio Elétrico, com seu som de muitos decibéis tem mais de 50 registros, aos quais acrescenta-se agora “Aí Eu Liguei O Rádio” (RCA, janeiro/87), o 12º elepê do grupo que leva o nome de seus fundadores – Dodô e Osmar. Como diz o release desta produção de Guti, “o disco nem precisa explicação: é o próprio retrato de um fenômeno que reverteu todo o panorama da execução musical nas emissoras de rádio na Bahia”.

 

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Na Bahia, ao contrário do que acontece em Curitiba, há um sadio nacionalismo por parte das emissoras que chegam a programar até 90% de música popular, especialmente carnavalesca. E o Trio Elétrico Dodô e Osmar tem a ver com essa história, pois a grande maioria dos cantores, compositores e músicos baianos que hoje fazem sucesso na Bahia – e muitos em todo o Brasil – iniciou sua formação musical num Trio Elétrico. E praticamente todos os conjuntos musicais baianos que tocam no rádio são ou foram bandas de trios elétricos.

“Aí Eu Liguei O Rádio”, é um disco vibrante, bem ao estilo do trio e do som que hoje se faz na Bahia (e que se procura imitar em outros Estados). Isso fica demonstrado logo na faixa título, no deboche afoxé merengue de Walter Queiroz (já sucesso no Nordeste). Em “Depois Que O Ilê Passar” (Miltão), a marcação das batidas de mão, característica dos afoxés, é feita por guitarras, confirmando a força inovadora do grupo. “Além Mar” (Armandinho, Fred Goés e Beu Machado) e “Arregace A Manga” (Aroldo Macedo/Fred Goés) trazem um ritmo sincopado com pintadas de reggae. A galope, vem “Coração Aceso” (Carlos Moura/Carlos Pita”), outra que deve estar explodindo neste Carnaval. Abrindo o lado B, Moraes Moreira assina “A Vida É Um Pernambuco”, um frevo que une a beleza da letra com o ritmo alucinante e a competência instrumental que consagrou o conjunto. “Brilho Da Cor” (Carlos Moura/Pita) e “Tem Dendê” (Armandinho/Moraes Moreira) são bons exemplos de composições para se ouvir e gostar em qualquer época do ano. Ligeiros sopros de funk e reggae renovam o arranjo de “Cocachabamba” (Aroldo Macedo/Moraes Moreira), agora regravada. “Natal Como Te Amo” (Osmar Macedo) é uma definitiva prova de amor que une o Trio Elétrico Dodô e Osmar e o povo nordestino. Hoje não só o nordestino, mas de todo o País.

Dia 2 de fevereiro, dia de festa no mar…

 O dia 2 de fevereiro é o máximo dia da festa do Rio Vermelho em Salvador. É o dia em que se homenageia Iemanjá,

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Consta que a tradição teve início no ano de 1923, quando um grupo de 25 pescadores ofereceram presentes para a mãe das águas. Nesta época os peixes estavam escassos no mar.

Antes, a homenagem era feita no Dique do Tororó. Inicialmente a festa era feita junto com a Igreja Católica, no sincronismo semelhante ao da lavagem do Bonfim.

E a grande festa do dia dois de fevereiro é inspiradora de inúmeras canções, entre as quais a conhecida “Dois de fevereiro” de Dorival Caymmi, gravada pela primeira vez em 1957..

No seu livro “Cancioneiro da Bahia” , Caymmi afirma:

Não pode existir festa popular mais bela que a de Iemanjá, realizada a 2 de fevereiro no Rio Vermelho, inspiradora dessa canção. O tempo passa e a cada ano a festa da senhora do Mar torna-se maior, congregando gente vinda de todo Brasil”

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A canção, no estilo de Caymmi, faz referência à famosa superstição sobre os presentes dados a Iemanjá que, quando aceitos pela Rainha do Mar, são recolhidos por ela. Quando Iemanjá não gosta do presente, ela os recusa devolvendo-os para a areia da praia.

Caymmi conta que o presente mandado “de cravos e rosas, vingou”, o que significa que Iemanjá aceitou os presentes e não devolveu para a areia.

Todo ano há um presente principal,  preparado para ser oferecido à Iemanjá. Sob ele vão as oferendas preparadas pela ialorixá responsável pelo comando da festa. Estas oferendas, cujos preparativos são cercados de rituais e fundamentos sagrados e secretos, demoram sete dias para ficar prontas.

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Tradicionalmente os presentes oferecidos a Iemanjá no dia 2 de fevereiro são: flores, perfumes, espelhos, enfeites diversos como anéis, colares, fitas, brincos, pentes, bijuterias, jóias, relógios, maquiagens e ainda bonecas, velas, bebidas e comidas tais como manjar, fava cozida com camarão, cebola e azeite doce, champanhe dentre outros

Curiosidade é que mais recentemente, há recomendações para que apenas presentes biodegradáveis sejam oferendados a Iemanjá,  para que as homenagens não causem poluição no mar

Fontes: http://www.culturatododia.salvador.ba.gov.br/festa-modelo.php?festa=8

Dorival Caymmi. Cancioneiro da Bahia. São paulo, Círculo do Livro

Assim Pintou Moçambique – O elo “encontrado” entre a música do trio e a música afro.

 

Um dos maiores desafios da ciência é buscar a descoberta do chamado “elo perdido”, isto é, encontrar vestígios daquele que representou a transição entre primatas e a primeira linhagem do Homem…

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Quando se conta a história do carnaval da Bahia, faz-se referência inicial ao nascimento do trio elétrico e aos frevos pernambucanos que eram eletrificados por Dodô e Osmar; conta-se também a influência de Orlando Tapajós e a Caetanave. Mas existe a busca do “elo perdido” entre a música do trio e a música afro… qual seria a música que traria essa primeira fusão entre afro e trio elétrico?

 

Nesse caso, não é muito difícil de encontrá-lo, e suas raízes estão numa música de Moraes Moreira, e letra de Antonio Risério: Assim Pintou Moçambique. 

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Moraes Moreira, no seu livro “Sonhos Elétricos”, conta um pouquinho da história da canção, nascida no ano de 1979:

“Naquele verão eu estava de férias com toda família em Salvador. Aluguei uma casa no alto de Amaralina, que apesar de simples era aconchegante e podíamos ali receber os amigos. Risério era um dos mais assíduos frequentadores. 

O nosso dia era cheio. Na parte da manhã, a praia; a tarde era dedicada à música e à noite íamos todos para os ensaios dos blocos. O Badauê, um dos nossos preferidos, se consagrava como a grande sensação do momento. Era maravilhoso constatar como aquelas entidades já iam tomando seus lugares, exibindo com toda força e beleza sua cultura, a sua música, a sua dança, enfim, reafirmando as suas verdadeiras raízes ancestrais. 

Queríamos, de alguma maneira, incorporar aqueles elementos à nossa poesia, à nossa música. Em suas letras, Risério foi fazendo isso com grande sabedoria, enquanto eu, por outro lado, buscava enlouquecido traduzir musicalmente esse sentimento, tocando sem parar por horas e horas a fio. Foi assim que um dia me peguei fazendo uma batida diferente. Era uma coisa tão nova que tive medo de perdê-la. Tratei então de repetindo-a e para todos que chegavam mostrava feliz: ‘Olha o que achei! Olha o que achei!’. Tive certeza que aquela levada era uma síntese, uma mistura da música branca do trio Elétrico com a música preta dos blocos afro da Bahia.”

Antonio Risério, no seu livro Carnaval Ijexá, de 1981, relata a importância da canção Assim Pintou Moçambique…

“Foi Moraes Moreira o responsável pela introdução do ijexá no trio elétrico, com a música “Assim Pintou Moçambique”(Moraes-Risério). O que Moraes fez, em “Moçambique”, foi descobrir um caminho rítmico, uma batida que, estilizando o ijexá, pôde transportá-lo para as cordas do ovation.

E ele tinha perfeita consciência da novidade do lance, muito bem esclarecida, aliás, por Caetano Veloso: “Esse toque de violão de Moraes Moreira, de ijexá. O modo como ele estilizou o ijexá pro violão e fez essas composições, que agora o Armandinho está fazendo com “Zanzibar”, eu acho isso um acontecimento importante na transa de música popular no Brasil. (…)  Eu me impressiono muito, eu adoro essas coisas, o jeito de Moreira puxar doxé-cum-xé, doxé-cum-xé. Ele faz lindo, aquilo é lindo… quando ele toca essas músicas, ‘Moçambique’no ano passado aqui, quando ele começou a fazer esse tipo de ritmo no violão, eu disse: ‘porra, foi descoberto todo um continente’, entendeu?, que é óbvio, mas é o ovo de Colombo. Sempre o importante é o óbvio, né?”

 

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Enfim, o som dos afoxés chegou em cima do trio. E a música e o carnaval da Bahia jamais foram os mesmos. Em entrevista concedida à Ana Maria Baiana e publicada no Jornal O Globo, Moraes tratou desta nova linha ritmica:

“Foi uma coisa meio por acaso, que veio da observação constante do carnaval baiano, que sempre me interessou. Você vê que no carnaval da Bahia convivem lado a lado as mais diversas formas musicais: tem trio elétrico, que é frevo e marcha, tem afoxé, que é a coisa africana mais profunda, tem todo tipo de samba…Aí um dia, nesse carnaval agora, eu me peguei fazendo uma batida no violão, que era assim, meio trio elétrico, meio candomblé, uma espécie de síntese de sons do carnaval da Bahia. E eu vi, inclusive, que isso era uma coisa tão fácil e natural em mim que topdas as minhas músicas poderiam ser cantadas desse jeito…

O fato é que a mistura dos tambores e o som trieletrizado foi ganhando força na década de 80, e o resto é história… 

sábado 24 setembro 2011 16:33 , em Carnaval

10 coisas dos carnavais de 25 anos atrás que não se vê hoje. E uma crônica saudosista…

 

Sempre achamos que “nossa” época é melhor do que a época dos outros. Nossa infância foi mais infância, nossa juventude era mais excitante, nossas experiências, mais enriquecedoras, enfim, que vivíamos num mundo melhor.

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Carnaval no Campo Grande

Talvez seja uma visão nostálgica, na qual nós nos esquecíamos das dificuldades e das coisas desagradáveis que aconteciam. Isso vale para tudo, inclusive para o carnaval. Aí me deparei com uma postagem de Fabio Gagliano, de 2012, com um certo saudosismo do carnaval, cuja postagem vem a seguir. Ele relata com saudosismo um carnaval que não volta atrás. E elege como símbolo do carnaval a mamãe-sacode. O que tinha esse carnaval que acabou no século passado?

 

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1) O bloco era mais importante que o artista. Cada pessoa era associado de um bloco, o “seu” bloco de carnaval. Cada bloco tinha sua característica, seu público. 

2) A vestimenta era mortalha (que durava os 3 dias), apenas em meados da década de 90 vieram o abadá (com o Eva) e com 1 abadá por dia (Com o cheiro);

3) O kit dos blocos incluía mortalha, boné, mamãe-sacode, faixa, adesivo para colocar no carro, e às vezes uma munhequeira para enxugar o suor (há quem usasse para outros fins);

4) No começo do verão todo mundo já conhecia a música dos artistas de seu bloco;

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5) Havia a maior concorrência pelo lugar na fila na avenida; o circuito Barra-Ondina era chamado de circuito alternativo. Quase não passavam trios por lá.

6) Camarote? No máximo as arquibancadas no Campo Grande e a pipoca vendo os blocos passarem na Casa D’Itália.

7)  Na terça-feira, ou os trios desciam para o Farol da Barra, ou iam para o encontro de Trios na Praça Castro Alves;

8)  O carnaval começava na quarta-feira com a Lavagem do Porto da Barra.

9) Ainda havia bailes de carnaval nos clubes. O mais famoso era o Branco e Preto, que ocorria no Baiano de Tênis, mas também tinham Bailes na Associação Atlética e no Clube Espanhol;

10) O auge do desfile é quando os blocos passavam pelo Campo Grande, os puxadores de trio pediam para os foliões levantarem a mamãe-sacode.

 

Obviamente, quem viveu aquele carnaval dificilmente achará divertido um carnaval de camarote. O carnaval de hoje é muito diferente daquele que se praticava há 15, 20 anos.

A questão é: será que era efetivamente melhor? Aquele carnaval não voltará mais, e se esse carnaval de hoje está longe do ideal, é certo de que ele jamais voltará a ser o que já foi um dia. Cada carnaval reflete um pouco de uma época e de uma geração, E não há indícios de que o carnaval de amanhã vai ser m,ais parecido com o carnaval de ontem. Que era espetacular, inesquecível, mas era o carnaval de ontem.

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O importante é reencontrar nas pessoas o brilho e a alegria de fazer parte de uma festa única. E que seja possível encontrar muitos carnavais em um só. O de ontem, hoje e amanhã. E vejo todo mundo nas ruas, por muito mais do que uma semana.

Vejo trios e fanfarras. Vejo fantasias nas ruas. Vejo carnavais no centro histórico, tem de tudo, mas ainda estão no carnaval o samba, os tambores e a guitarra elétrica, tripé que deu base àquilo que chamamos de axé.

O modelo de blocos com milhares de pessoas vai se esgotando, mas os  pequenos bloquinhos que vão pra rua ainda estão lá. Os trios pipoca ainda estão lá, como, há 40 anos, eram Armandinho, Dodô & Osmar (com Moraes Moreira) e o Trio Tapajós. Dá até vontade de sair na rua, fantasiado de folião anos 90 com mamãe-sacode.

Parece que o carnaval da Bahia continua sendo uma metamorfose muito maior do que em qualquer outro lugar. Se um sujeito fosse congelado há 30 anos e acordasse hoje, no século XXI, e visse o carnaval do Rio ou de Olinda, ainda reconheceria aquele espaço de 30 anos. Na Bahia é um pouco diferente. Muita coisa muda. Há espaço para a tradição? Claro! Mas na Bahia nenhuma tradição carnavalesca sobrevive se não houver um sentido, e este sentido está na existência de pessoas pulando e cantando na rua. E que viva o samba, os tambores e a guitarra elétrica…

 

Segue abaixo a crônica que me referi.

 

Roubaram meu Mamãe-Sacode

 

(SALVADOR – Eu quero muito mais que o som da marcha lenta) – Chegou fevereiro. Chegou o Carnaval. E o Carnaval, na Bahia, me leva à infância. Me leva a imagens, sons e sentidos que marcam a minha essência.

Nasci e cresci na Rua da Mouraria, bem próximo à sede do bloco “Os Internacionais”. Acompanhava a elaboração dos figurinos, a escolha da fantasia. Via de perto o nascimento de cada peça, com as costureiras que, incansavelmente, trabalhavam lá, onde morávamos, no seu andar térreo. Estive ao lado da concentração onde o maestro Reginaldo “Bigodão” comandava uma banda de músicos de “não-sei-quantos” homens para sair da Mouraria e conduzir Os Internacionais rumo ao seu desfile. Instrumentos de sopro em cima do caminhão. Instrumentos de percussão ao chão.

Cresci utilizando cada uma das fantasias do bloco, e me apaixonei com a paixão de meu pai, louco por Carnaval mas, principalmente, para “ver o bloco na rua”. Chorei com a sua emoção que derramava lágrimas ao avistar, de longe, o bloco despontando na Avenida com seus 1.500 integrantes e suas alegorias de mão abrindo alas para um espetáculo belíssimo e inesquecível. Angustiava-me com a sua eterna angústia que, ao perceber que o seu bloco estava perfeito, iniciava a torcida para que tudo logo acabasse, sem problemas, sem percalços, sem confusão. O ato de colocar o bloco na rua era a sua paixão, o seu ideal. A percepção, à quarta-feira de cinzas, de não ter havido contratempos, coroava o seu carnaval e alavancava a preparação do ano seguinte.

Em paralelo, via de perto o Cheiro de Amor exalando sua fragrância na Avenida e usando um macacão por 3 dias consecutivos. Imaginem como se encontrava o mesmo no último dia de carnaval, posto que era impossível lavar e secar tal tipo de tecido de um dia para o outro. Vi o Camaleão de Luís Caldas, o Crocodilo do Asa de Águia, o Eva de Ricardo Chaves. Vi as mortalhas invadirem multicoloridas as Avenidas do Centro de Salvador. Vi, ainda os blocos subirem até a Sé, pararem para um leve descanso e descerem para a Carlos Gomes via Praça Castro Alves quando, não raro, encontravam outro bloco em sentido inverso. Me desesperei quando o trio dos Comanches perdeu seus freios na descida da Sé matando inúmeros foliões e gerando o pânico na praça do poeta.

Enquanto isso, saía no Domingo e na Terça fantasiado de romano, marajá, gondoleiro, pierrot, chinês, imperador inca, príncipe, pirata, dentre outros. Isso nos Internacionais, onde os homens estavam dentro das cordas e as mulheres compunham o séquito no lado de fora.

No Sábado e na Segunda, a coisa mudava de figura. A família inteira estava reunida no “Eu e Ela”, utilizando-se de mortalhas e, assim como em “Os Internacionais”, a condução era realizada pela grande banda Chiclete com Banana. Os foliões dançavam, brincavam, curtiam, namoravam, bebiam. Eu estava vendo o Carnaval sendo feito e utilizado pelas mesmas pessoas. O organizador era folião. O ambulante, idem. O cantor, também. O radialista, igualmente. Bem como os artistas, intelectuais, políticos e todos os segmentos sociais.

Apesar de muito pequeno, vivi tudo muito de perto. Minhas primeiras imagens da infância me remetem à rotina matutina da organização carnavalesca, com a chegada do trio, a preparação das cordas, o teste do som, a dinâmica dos caminhões com os “engradados de cerveja” abastecendo os bares e ambulantes na área do quartel dos Aflitos, o mamãe-sacode empunhado com orgulho…

Ah…. os Mamães-Sacode… Esses eram, talvez, as maiores referências do Carnaval da Bahia. Compunham elementos de estética visual indescritíveis que, ao serem atiçados conjuntamente ao ar davam, ao espectador, uma visão sublime, que demonstrava indelevelmente o fracasso ou o sucesso do artista de trio, do puxador de bloco.

O bloco Tiete Vips, popularíssimo, através do saudoso Val Valle e da Banda Tiete Vips nos brindavam com um espetáculo deslumbrante ao adentrar a área do palanque do Campo Grande. Quem não lembra do famoso grito de guerra: “Tiete Vips chegoooooou, ê aê aô”.

Vi o Frenesi de Adhemar e Banda Furta Cor. Vi, ainda, a deslumbrante Banda Mel com o seu Prefixo de Verão e a sua Baianidade Nagô. Acompanhei a Reflexus com o seu Madagascar Olodum e o Canto para o Senegal.

Acompanhei os “gênios” do carnaval baiano que, sob a aura da modernidade, extirparam a nossa mais pura cultura. Os magos criadores do abadá e carrascos das fantasias e mortalhas. Não há mais alegorias de mão. Não há mais a alegria do mamãe-sacode eclodindo no ar das ruas centrais de Salvador. Criaram o circuito alternativo na Barra e desterraram a Avenida. A partir do momento em que ficaram de um lado os criadores e, do outro, os foliões, o Carnaval da Bahia passou a ser um espetáculo midiático, de compra e venda de pacotes publicitários, perdendo toda a sua verdadeira essência. Os camarotes são excrescências deste processo, onde se ouve 90% de música eletrônica e, muito raramente, surge alguém que recorda estar no Carnaval da Bahia e vai dar uma espiadinha no trio que está a passar.

Há alguns anos, acreditem, fiz a bobagem de  participar de um bloco puxado pelo tal do Tuca Fernandes, o bloco Eu Vou. A cena que presenciei era dantesca. Inúmeros adolescentes não estavam nem um pouco interessados em dançar, pular, brincar. Era uma sequência tão bizarra quanto assustadora. Parecia um filme de zumbis, ou mesmo o seriado “The Walking Dead”. Adolescentes totalmente dopados, olhos vermelhos, bocas abertas, babando e procurando outras bocas para consumar um ato que, em nada, se lembra ao clássico beijo de carnaval. Nem Kubrick poderia descrever um cenário tão aterrador.

Arlequim morreu. Colombina se prostituiu. Pierrô abriu uma seita fanática religiosa. O folião não quer mais folia. O cantor não quer saber do folião, e sim da mídia. Ninguém agita mais ninguém para que o seu bloco seja o mais animado da Avenida. O cantor só faz cena para aparecer nas telinhas da Band Folia ou atrasa a apresentação para entrar ao vivo no Jornal Nacional.

Queimaram a fantasia. Extirparam a magia. Roubaram, enfim, o meu mamãe-sacode.

  http://cronicativa.blogspot.com/2012/02/roubaram-meu-mamae-sacode.html

 

“Olhos negros, cruéis tentadores…”

 

Pouca gente sabe, mas a letra de uma das mais famosas músicas de carnaval da Bahia não foi escrita por um baiano. “Chão da praça” tem a música de Moraes Moreira (baiano de Ituaçu), mas a letra é de um cearense, Fausto Nilo. Moraes Moreira, no seu livro “Sonhos Elétricos” (Azougue Editorial), conta como foi a composição desta música:

 

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“Liguei para Fausto, dizendo que tinha uma ideia para uma nova música. Ele me disse do outro lado que também tinha uma nova letra, então marcamos o encontro. Para a nossa alegria e espanto, música e letra foram se encaixando de maneira tal que, dentro de pouco tempo, já tínhamos pronto um frevo de quatro partes que até nos pareceu grande, mas diante da fluência que se dava entre elas deixamos rolar e tudo aconteceu. Era na verdade uma grande homenagem à praça do Poeta, que já vinha sendo referenciada também por outros artistas.”

O toque oriental que havia na composição foi realçado no arranjo e principalmente pela guitarra baiana de Armandinho que detonava o som. Foi assim, misturando oriente e ocidente, dor e prazer, pranto e alegria, que balançamos literalmente o “Chão da Praça”.

 

Fausto Nilo, numa entrevista, contou como ele, anônimo, foi atrás de sua própria música no carnaval:

 “Cheguei a Salvador na sexta-feira de carnaval, fiquei no hotel São Bento, perto da praça Castro Alves. Meu quarto era de frente para a rua. Eu estava sonhando que estava na Bahia com um carnaval qualquer passando com a minha música. Quando acordei, era realidade. Saí de chinelo e bermuda, era uma caminhonetezinha do subúrbio, com alto-falantes. Fui atrás da minha música”.

 A música Chão da Praça é um dos hinos do carnaval da Bahia. Certamente daqui a 50 anos ainda as pessoas vão vibrar na Bahia quando alguém entoar “Olhos negros, cruéis, tentadores, das multidões sem cantor”…

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Há uma série de referências. Primeiro, às “multidões sem cantor”, quando não havia cantores nos trios elétricos (e vindo ser Moraes Moreira o primeiro deles). A referência a um passado de baile de fantasias (eu era menino, beduíno), e as relações entre a dor que balança e a dança que substitui a dor, “porque já todo pranto rolou”.

Fred de Goes afirma em seu livro “O país do carnaval elétrico”, que as “multidões em cantor” seriam uma homenagem a Orlando Silva, também conhecido como cantor das multidões, falecido em 1978.

Moraes já disse que seu propósito era fazer músicas de carnaval daquelas que se cantam para sempre, como as marchinhas dos dois primeiros terços do século passado. Ele conseguiu. A letra de chão da praça entoa, como diz Moraes, Oriente e Ocidente, dor e prazer, e a grande sensação de ver a praça tremer…

Fontes: MOREIRA, Moraes. Sonhos Elétricos, Saalvador: Azougue Editorial, 2010

http://www.revistaforum.com.br/noticias/2011/01/17/os_dois_lados_do_espelho/

A volta de Netinho ao carnaval da Bahia

Quando anunciaram que Netinho estaria de volta ao carnaval da Bahia, ainda que fosse num camarote, e não num trio elétrico, muito se especulou.

Chegaram a dizer que ele não iria, ou que cantaria apenas 2 ou 3 músicas.

Ledo engano.

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Um dos maiores puxadores de trio de todos os tempos estava lá. Depois de 5 anos, um avc, ficar entre a vida e a morte.

No camarote do Nana.

Sábado de carnaval, 2017.

Muitos só foram lá por causa dele. Outros, só conheciam “Mila” do seu repertório. Pouco importa. Ele conquistou e reconquistou a todos, com positividade, com alegria, com emoção.

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Netinho não estava mais como o “malhado” do final dos anos 90. Estava de turbante, bermuda, colete, um colar vermelho no pescoço e descalço. Disse que iria fazer uma viagem musical pelos anos 90, época de alegria, de positividade…

Começou cantando “Preciso de você”, certamente não por acaso.

A todo tempo, ressaltava a alegria de estar ali. Não tinha a mesma mobilidade. Se apoiava para dar algum pulo. Pediu para diminuir a iluminação porque deixava ele tonto.

Depois de umas poucas canções, chamou ao palco o médico médico Roberto Kalil Filho, do Hospital Sírio-Libanês. Chorando, agradeceu o dom de viver.  Agradeceu a Douglas, seu fonoaudiólogo que recuperou sua voz.

“Em 2013, fui dado como morto em Salvador e em São Paulo uma pessoa me curou. Quem acredita em Deus sabe da força que ele tem. Deus esteve comigo o tempo todo”.

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E tocou o repertório completo. Tocou alguns de seus maiores sucessos desde a Banda Beijo, como “Beijo na Boca”, “Jeito Diferente”, “Barracos”, “A vida é festa”, “Capricho dos Deuses”, “Fim de semana”.

Ao puxar “Estrela Primeira”, disse que só quem pulou carnaval de mortalha, na Avenida, saberia o significado daquilo tudo.

Às vezes, sentava no chão, num banquinho, mas estava firme. Quando tocou a música de Gonzaguinha, “O que é, o que é?”, chorou muito. Muito emocionado, agradeceu. Mas não foi apenas um show comovente, Teve pouco papo e muito som.  Prometeu estar em cima do trio no ano que vem.

E no final, pediu que todos abrissem os braços e dissessem “obrigado”. Obrigado a você, Netinho, protagonista da história do Carnaval da Bahia. Quem já pulou nos Blocos Beijo e Pinel sabe bem disso. Vida longa e muitas canções para Netinho. Fechando esse mês de postagens carnavalescas….

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